CLARA DE ASSIS E SEUS PASSOS RUMO A UMA GRANDE OPÇÃO


A decisão espiritual é sempre uma iluminação

Clara de Assis vai com sua família para a celebração de Domingo de Ramos em 28 de março de 1212, na catedral de Assis. A Legenda de Santa Clara diz: “Quando chegou o domingo, a jovem entrou na igreja com os outros, brilhando em festa no grupo das senhoras. Aconteceu um oportuno presságio: os outros se apressam a ir pegar os ramos, mas Clara ficou parada em seu lugar por recato, e o pontífice desceu os degraus, aproximou-se dela e colocou-lhe a palma nas mãos” (LSC 7,4-5). O pontífice em questão é o Bispo Guido. Sua atitude é interpretada como se “Neste gesto está sem dúvida a bênção do pastor da diocese, o selo eclesial para uma opção que só o Amor dá coragem para realizar, através daquela liberdade profunda que é dom do Espírito” (Cremaschi, 43).

O fato é, que logo depois deste domingo, Clara espera numa determinada noite todos da casa adormecerem, sai por uma porta secundária de sua casa. Atravessa as ruas silenciosas e escuras de Assis e vai encontrar-se com Francisco e seus frades na Porciúncula. É como que uma fuga. Clara está fugindo de quê? De nada, apenas faz a seu modo, o corajoso passo de ir unir-se a um grupo de penitentes que não vivem em mosteiros e estão fora dos padrões de grupos religiosos da época. Francisco tem apenas uma aprovação oral do Papa Inocêncio III, mas ainda não tem uma regra canônica que aprove o seu modo de vida. Evangelho não precisa de legislação pois vem da lei maior do amor. Clara vai discreta, sem fazer barulho, pois o rumor maior é mudar de lugar: do palácio dos Ofredducci para a choupana dos Menores. Uma decisão também supõe uma ruptura com a condição social. Antes desta noite ela livrou-se aos poucos dons bens garantidos por sua herança. Não queria patrimônio, queria matrimônio com o Bem Amado, o Senhor do seu coração. Conta a Irmã Cristiana no processo de Canonização: “Na venda da herança, os parentes de madona Clara ofereceram um preço mais alto do que os outros. Mas ela opôs-se a que fossem os parentes a comprar, para que os pobres não fossem prejudicados. E todo o dinheiro que recebeu da herança, distribuiu-o aos pobres” (PC 13,11). Na ação de Clara podemos ver a coragem de não se prender a vínculos familiares, mesmo no preço da herança, pois não quer dependência, mas a transparência livre de deixar tudo para seguir o Esposo Pobre.

Na idade média, uma jovem nobre casava mais ou menos com 14 anos. Clara de Assis tem 18 anos quando vai à Porciúncula oficializar seu noivado com o Esposo Espelho. Foram pacientes quatro anos de maduro discernimento. Os frades a acolhem com tochas acesas na noite. A decisão espiritual é sempre uma iluminação. Há uma nova luz chegando entre eles. Clara foi vestida com seu traje mais bonito. Recebida por Francisco de Assis, ele a reveste com a rude veste de uma camponesa e corta seus cabelos. Mudar de veste significa investir-se de uma outra forma de vida. Agora, ela é uma penitente convertida. O corte dos cabelos significa a ruptura definitiva com outros legames. Clara agora pertence à Fraternidade. Ela é uma Irmã entre os Irmãos. Ela é uma leiga que recebeu a inspiração do Espírito. Escuta seus irmãos, também leigos, qual melhor rumo a tomar no caminho comum do Evangelho. Uma noite intensa de oração esquenta e clareia a decisão. É um ritual de vida nova. Não se entra numa Fraternidade sem certos ritos.

Há no ar o perigo do novo: como uma mulher poderia viver numa comunidade de homens penitentes? Há no ar, uma novidade tão radical que pode ser entendida sob a preocupação da psicose da heresia que inundava o ar de então. Clara pertence à Fraternidade para sempre, é uma decisão de todos. Mas Clara não pode ficar ali, é uma decisão comum para preservar a beleza fontal dos Carismas. É melhor preservar naquele momento para continuar um bonito depois. Francisco e dois companheiros a levam ao Mosteiro das Beneditinas de São Paulo, em Bastia. Uma decisão oportuna pois amaina a fúria da família de Clara e outras incompreensões. Morar com as beneditinas é uma escolha provisória. O amor pelo Esposo vai abrindo caminhos. A família vai ao mosteiro e a encontram despojada, vestida com vestes da simplicidade. Há agressividade e ternura em convencer Clara a voltar para a casa. Mas ela mostra a tonsura e agarra-se ao altar. Ela agora o pertence unicamente à sua escolha de amor. Do mosteiro das beneditinas, Clara vai morar na igreja de Santo Ângelo de Panzo, um convento de reclusas, leigas eremitas medievais que ali vivem na oração e na ação da caridade aos pobres do lugar. Seria talvez um beguinato, isto é, uma comunidade de mulheres, que sem pertencer a uma ordem religiosa, vivem de um modo consagrado. Assim, Clara conhece várias dimensões do movimento feminino de seu tempo, e uma destas dimensões é abraçar uma espiritualidade na nupcialidade mística.

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO

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