Reflexões Franciscanas - 16


37. A partir de 1211, Francisco de Assis, estava disposto a ir para a Síria e Marrocos, não para guerrear, mas para testemunhar. Como a dizer: “Eu creio, vocês creem, vamos conversar na maior riqueza que temos: a fé! Ter fé é transformar sentimentos!” Não foi desta vez.  O IV Concílio de Latrão preparava mais uma Cruzada entre 1215 e 1216. Francisco preparava pregação de paz. Inocêncio III, que iria comandar esta Cruzada, morre em 16 de julho de 1216, e com ele morreu o que seria o estigma de um Papa à frente de um exército fortemente armado. Francisco estava no funeral do Papa e queria pedir ao sucessor Honório III a suspensão de mais esta batalha contra os muçulmanos. Não consegue a suspenção, porém em 1218, consegue autorização do Papa para ir até o acampamento dos cruzados, em Damieta, e convencer os seus chefes, o cardeal Pelagio e o Rei João de Brienne, para que dialoguem com Melek-el-Kamel, o sultão, que tinha uma proposta: os cristãos se retirariam do Egito e ele devolveria Jerusalém. A bem da verdade esta Cruzada não era para conquistar Jerusalém novamente, mas para destruir o poderio militar do Islam.  E lá vai São Francisco! Passa do acampamento cristão para o muçulmano e vai dialogar com Melek-el-Kamel. Quando o sultão vê aquele homem frágil, maltrapilho e desarmado até se assusta, mas percebe que ele não oferece perigo. O que ele oferece é que a violência seja substituída pela mansidão, que o ódio seja trocado pelo respeito, que o inimigo seja irmão, que morrer por amor e caridade é muito melhor que guerrear por nada.

38. Escreve Tomás de Celano: “No tempo em que o exército dos cristãos sitiava Damieta, o santo de Deus estava presente com seus companheiros(...) Então, ao prepararem-se os nossos para o dia da batalha, tendo ouvido isto, o santo queixou-se profundamente da guerra. E disse a seu companheiro: “Se em tal dia acontecer o embate, o Senhor me mostrou, os cristãos não se sairão bem. Mas se eu disser isto, serei julgado como louco; se eu me calar, não escapo da consciência. Portanto, o que te parece?” O companheiro respondeu-lhe, dizendo: “Pai, não te importe que sejas julgado pelos homens, porque não é agora que começas a ser julgado como louco. Descarrega tua consciência e teme mais a Deus do que aos homens. Então, o santo sai e dirige aos cristãos com admoestações salutares, desaconselha a guerra, anuncia a derrota. A verdade torna-se fábula, eles endureceram o coração e não quiseram ser advertidos. Vai-se, combate-se, guerreia-se e os nossos são acuados pelos inimigos.” Ali, em Damieta, no Egito, Francisco viu o inútil mecanismo de morte, gerado por aqueles que não quiseram reconhecer em suas palavras, uma exortação vinda de Deus. Mas foi após a derrota, que no dia 31 de Agosto de 1219, que permitiram que ele fosse até o sultão. Então, ele vai com coragem e fé. Até prevendo se fosse preciso o martírio, mas que fosse pelo bem de cristãos e muçulmanos. Francisco quer dialogar com o sultão. Se existe a boa vontade sempre há aproximação, presença e conversa. Mesmo assim a fé tem que ser provada. Há em Francisco de Assis e em Frei Iluminado de Rieti, os dois que chegaram ali na tenda do sultão, uma doçura, simplicidade e transparência que encanta a todos. Eles se apresentam em nome de Deus. Isto é causa de admiração, veneração e estima. Em meio à guerra alguém vem apresentar-se na paz do Senhor! Há em Francisco e em seu companheiro uma atitude de humildade e bondade que não existia nos violentos cruzados. Melek-el-Kamel, aceita o testemunho do santo, porque sabe que ele vem como portador de uma Palavra Sagrada. O sultão é líder dos Islam e tem muita consciência religiosa para perceber que pobre frade traz o fervor do Espírito, e é neste espírito que vão dialogar. Não há entre os dois nenhuma palavra de agressividade e desprezo. Não é momento de falar contra Jesus ou Maomé, ou contra a Bíblia ou contra o Corão. Não está ali, um cristão latino,  que jamais seria capaz de insultar o profeta ou quem quer que seja. Francisco tem o maior respeito pelo sultão e seus comandados a partir do espírito do Evangelho. Como era tradição, aceitou o desafio do Ordálio de Fogo.

Frei Vitório

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