São Luís de França e os Franciscanos - XIV
Continuação do texto depois da interrupção por ocasião da festa de São Francisco
Frei Sandro Roberto da
Costa, ofm
3.1
O encontro com frei Hugo de Digne
Em 1254, voltando do Oriente
derrotado, após a morte da mãe, Luís ouve falar de Frei Hugo de Digne, um frade
franciscano da corrente dos espirituais, defensor das ideias de Joaquim de
Fiore. Frei Hugo era um grande pregador, que arrebatava multidões[46]. Em Hyères, Luís pediu para trazerem o frade à sua
presença, pois queria ouvi-lo pregar. Ficou tão maravilhado que queria, a todo
custo, que o frade se juntasse a seu séquito que retornava para Paris. Hugo se
negou peremptoriamente. Acabou ficando apenas dois dias com Luís, mas este
encontro marcou, a partir de então, a vida e o governo do rei. Hugo, segundo as
palavras do biógrafo de Luís, Joinville, exortou ao rei que este “deveria se
conduzir de acordo com seu povo”. No fim do sermão o frade afirmou que nunca
tinha lido que um reino ou domínio se tivesse perdido ou passado a um outro
senhor, “a não ser por vício de justiça”. E terminou: “Ora, que atente o rei,
continuou, uma vez que vai para a França, que faça tanta justiça a seu povo que
o povo assim conserve o amor de Deus, de tal maneira que Deus não lhe tire o
reino de França com a vida”[47].
Depois de 1254, Luís assumiu um
comportamento sempre mais austero. No dizer de seus biógrafos, passou “da
simplicidade, à austeridade”. E este espírito passou à atuação política. Um
sinal claro desta orientação foi a chamada “Grande Ordenação”, de dezembro de
1254. Trata-se de uma série de determinações legais que objetivavam reformar
profundamente o governo do reino. Entre elas, destacam-se aquelas visando uma
moralização da administração pública, para um governo justo (ético e não
corrupto, diríamos hoje). Os oficiais do reino deveriam fazer justiça sem fazer
distinção de pessoas. Não deveriam aceitar presentes, nem para suas mulheres ou
filhos. Também em relação aos costumes e à moral eram promulgadas medidas severas:
contra a blasfêmia, contra os jogos, contra a prostituição, contra a usura. No
espírito da época, são emanadas também leis contra os judeus.
[46] Sobre frei Hugo de Digne nos
informa o cronista medieval Salimbene de Parma: “Ele era um dos maiores
clérigos do mundo, solene pregador, querido pelo clero e pelo povo, o maior nas
disputas e preparado para tudo. Envolvia a todos, tinha uma conclusão para
tudo, tinha língua eloquente e voz como de tuba que soa, de grande trovão e de
muitas águas que soam, quando descem pelo precipício. Nunca impunha [suas
ideias], nunca complicava. Estava sempre preparado para toda resposta. Dizia
coisas maravilhosas da corte celeste, isto é, da glória do paraíso, e coisas
terríveis das penas do inferno. Era oriundo da província da Provença, de
estatura média e não muito escuro. Homem espiritual além da medida... Havia (em
Hyères) muitos notários, juízes, médicos e outros letrados que nos dias solenes
se reuniam na sala de Frei Hugo para ouvi-lo, enquanto ele falava da doutrina
do abade Joaquim, ensinava e expunha os mistérios da Sagrada Escritura e
predizia as coisas futuras. Pois era um grande joaquimita e tinha todos os
livros do abade Joaquim escritos com letras grandes”. Fontes Franciscanas e Clarianas, Tradução de Celso Márcio
Teixeira, Vozes/FFB, Petrópolis 2004, Crônica
de Frei Salimbene de Adam (de Parma), p. 1400-1401.
[47] Joinville, Histoire de Saint Louis, citado por le Goff, São Luís, p. 193. O autor vê neste encontro com o franciscano Hugo
de Digne um momento fundamental no governo de Luís, pois, voltando derrotado e
decepcionado da Cruzada (Luís vai passar um período em profunda tristeza),
busca respostas para a derrota e sobre o melhor modo de servir a Deus. O
encontro com Hugo é, para Luís, a resposta: governar de modo a fazer reinar,
aqui na terra, a justiça do reino de Deus.
Continua
Comentários