FESTA DE SANTO: UMA ESPIRITUALIDADE BRASILEIRA - III


Esta Religiosidade tem muita procissão, muita caminhada, muita dança, muita reunião, porque refaz a verdade de um povo peregrino, refaz uma geografia, um pedaço de chão, respira com a cabeça nas nuvens, mas com os pés colados nos apelos que vem do chão. Tem muita vela acesa, porque vela que brilha na mão tem que queimar por dentro. Aparece no chão, com beleza nunca vista. Na Religiosidade há muita reflexão que se pode pegar com as mãos. O brilho das velas e das luzes tem muito a ver com isto. Qualquer pessoa que perde o dom de refletir pode correr um risco de degeneração interior, pode ter um apagão das luzes de dentro. Acender velas é acordar a fé e não deixá-la apagar! A religiosidade popular brasileira é como uma vela: entra para o serviço do invisível, iluminando! Nela, o povo acende velas porque  não caminha sem Luz!  Fé é não ficar a vida toda trabalhando num quarto escuro.

Tem santos e santas como gente nossa, porque as pessoas que aparecem em nossos sonhos de fé tem que parecer com a gente.

Na RPB é preciso sentir-se povo, mas Povo de Fé; estar no meio deste povo e prestar muita atenção em todos os detalhes. Povo simples não tem linguagem técnica para exprimir pensamento, tem símbolos. Respira-se uma ideia bonita que vem do povo. Entra nos símbolos, veste dos símbolos, como se gritasse assim: “Dá licença, que eu não quero ser apenas rebanho!”

Na religiosidade popular brasileira, quando o povo se reúne, a fé é muito real e as consequências desta fé começam a aflorar. O povo vai inteiro e mergulha de cabeça, mesmo querendo a cura de um pedaço seu que está doente, sabe que é impossível salvar apenas um pedaço da pessoa (não existe muita coisa aí...), o povo sabe que precisa salvar-se por inteiro.

Na religiosidade popular brasileira, o povo gosta de cantar muito. A Igreja, a Fé, o Povo, são muito mais bonitos quando cantam juntos e trocam gestos. A música tem muita perenidade; o povo não esquece. A fala atrasa um pouco o Mistério, mas a música tira o povo do chão.



Não podemos confundir religiosidade popular brasileira com Movimentos. Aliás, os Movimentos não acolhem muito bem a Religiosidade Popular. Movimentos surgem com suas técnicas de transformar pessoas em tempo rápido. A Religiosidade Popular atravessa séculos e as pessoas se renovam devagar, cada vez, e com muita força. Movimentos são implantados com a força das mentes carismáticas, mas a religiosidade popular É O CARISMA DO POVO!

A modernidade fala com certo desprezo e falta de conhecimento da Religiosidade Popular, desta Religião do Povo; talvez porque este modo de viver a religião não use gravatas, não fale português castiço, não tenha muito dinheiro para construir espaços. Ou porque a modernidade técnica tenha esquecido a beleza dos gestos e símbolos, porque não precise buscar mais nada, tudo já vem pronto, e quando se cansa ou se tem a validade vencida, troca-se por algo novo. O gesto perde a utilidade imediata, sufocada em tanta tecnologia, e fica somente um hábito vicioso de repetição.  Na religiosidade popular brasileira todos os gestos são gestos de buscas, feitos com ânsia nos olhos, e por isso são válidos para sempre. Tudo é um pedaço árduo de uma bela e inesgotável procura. Quem estudar a religiosidade popular descobrirá a utilidade que fez um gesto nascer!

A religiosidade popular cria o hábito, instala, grita por dentro e usa  o Mistério com uma necessidade clara. Há uma história densa na consciência e na inconsciência do povo. Ele não anula esta história, porque anular esta história é como se cortasse a carne viva. O povo precisa tocar a fé porque é a mesma coisa que tocar fundo nos sentidos de sua vida, sentidos estes que estão incorporados e andam lá por dentro.

A religiosidade popular brasileira repete gestos dos princípios, valores e virtudes levando-os tempo afora. É o velho querer humano, inventando saídas e jeitos de falar, gritar e dançar.

Continua

Imagens:  Procissão do Fogaréu é uma tradicional procissão católica realizada anualmente na cidade de Goiás, na quarta-feira santa.

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