São Luís de França e os Franciscanos - IX


Frei Sandro Roberto da Costa, ofm
(continuação do subtítulo 2.2 São Luís e a espiritualidade mendicante)
Vítima de vários males físicos, Luís se solidariza com os mais fracos. O rei se preocupa com os cegos, e para eles manda construir um hospital em Paris. Dá muitas esmolas aos pobres, principalmente aos leprosos, a quem cuidava carinhosamente, dava de comer, beijava-lhes a mão. Seus biógrafos destacam o fato de que ele se levantava muito cedo, sem fazer ruído, para ir à Igreja, para rezar, o que obrigava seus guardas a também se levantarem cedo, alguns tendo que se vestir correndo pelo caminho, para alcançar o rei. Quando os monges vão construir a abadia de Royaumont, Luís os ajuda a carregar pedras, e obriga seus irmãos a fazerem o mesmo, embora estes não o façam de bom grado[28].
Luís também obriga aqueles que o servem, sejam marinheiros ou soldados, a ouvirem longos sermões, e a participarem de ofícios religiosos. Para impedir que seus soldados almoçassem nas tavernas da cidade, lugares mal afamados, de jogos, bebida e mulheres, oferece-lhes o almoço no próprio local de serviço, no refeitório do palácio, sem cobrar por isso. Ao contrário, continuando dando aos soldados a ajuda de custo a que tinham direito para comer fora. Alguns o fazem a contragosto, pois comendo no palácio, seriam obrigados a ouvir sermões durante a refeição. Para Luís as tavernas eram tão perigosas quanto os bordéis.
Algumas destas práticas causavam transtornos no meio em que vivia o rei. Luís era consciente de que seu comportamento piedoso não agradava a todos, e suscitavam inúmeras críticas. Uma das mais comuns era o fato de gastar muito com esmolas e com a construção de edifícios religiosos[29]. Era claro, para os medievais, burgueses e nobres que o cercavam, que Luís não podia ultrapassar o limite do rei para o de sacerdote. 
Uma forte crítica vinha daqueles que consideravam Luís como um refém dos colaboradores e conselheiros religiosos, principalmente dos franciscanos e dominicanos[30]. Um episódio contado por seu biógrafo franciscano Guillerme de Saint-Pathus, demonstra bem a sua proximidade com o clero. Diz-se que uma mulher o abordou na saída do parlamento, e teria exclamado: “Só és rei dos frades menores e dos pregadores, dos padres e dos clérigos!”[31]. A reação de Luís, segundo seu biógrafo, foi de calma. Concordou com a mulher, e disse que ela tinha razão, e que outro governaria melhor o reino. E pediu a seus soldados que dessem dinheiro a ela. O fato em si demonstra o quanto Luís prezava a companhia do clero, e como isso não era bem visto por alguns setores da sociedade[32].  




[26] Le Goff, O maravilhoso..., oc., p. 89, nota 41.
[27] Idem.
[28] Vários gestos de Luís demonstram um espírito livre das amarras do poder e das convenções sociais. Ele é um rei que se senta no chão, na terra nua, para conversar com seus súditos; é capaz de fazer reuniões sob as árvores, nos jardins do palácio; frequentemente come com os monges, vai à cozinha e lhes traz a terrina com a sopa, e os serve. Quando é advertido pelo abade que acabou sujando a capa na terrina de sopa, o rei responde: “não tem importância. Eu tenho outras”. Cfr. Guilherme de Saint-Pathus, citado por Le Goff, São Luís, oc., p. 557.  
[29] Quando lhe criticam pelo excesso de despesa na construção dos conventos dos franciscanos e dominicanos em Paris, Luís responde: “Meu Deus! Como acredito ser bem empregado este dinheiro para todos esses frades tão eminentes que do mundo inteiro confluem aos conventos parisienses para estudar a ciência sagrada, e que, aí tendo aprendido, voltam ao mundo inteiro para expandi-la pelo amor de Deus e a salvação das almas”. Le Goff, São Luís, oc., p. 725.
[30] Franciscanos e dominicanos eram os principais confessores da família real. A esposa de Luís e sua filha, Branca, tinham como confessores frades franciscanos.
[31] Guilherme de Saint-Pathus, Vie de Saint Louis, p. 118-119, citado por Le Goff, São Luís, oc., 729.
[32] Apesar desta proximidade com os religiosos, os estudiosos são concordes em assinalar a independência de Luís em relação aos bispos e mesmo em relação ao papado. Em várias ocasiões o rei não vai deixar de expressar sua opinião contrária à política eclesiástica diante das autoridades da Igreja, inclusive o próprio papa. 

Continua

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