Santuários, peregrinações, romarias e caminhadas

Diabo é às brutas, mas Deus é traiçoeiro. Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz na lei do mansinho - assim é o milagre!" (Guimarães Rosa)


Minhas Amigas, Meus Amigos,
Paz e Bem!
Trabalhar num lugar como o Convento e Santuário de Santo Antônio, no Largo da Carioca, Rio de Janeiro, é participar da caminhada de um povo. Aliás, a palavra caminhada é muito usual entre os devotos brasileiros. Vem lá do dinamismo ainda presente das comunidades eclesiais de base. É uma palavra que revela um novo modo de compreender a vida cristã. Só caminha quem está perseguindo, buscando, almejando alguma coisa. O povo mais ligado à consagração religiosa chama isto de Seguimento. Se olharmos o Evangelho de Lucas, os Atos dos Apóstolos e a grande travessia do povo bíblico desde suas origens estamos indo em direção à Terra Prometida.

Hoje, com mais força ainda, temos as romarias, peregrinações e caminhadas. De ônibus, carros, cavalos, a pé, caminhões e avião, bicicleta, e no nosso caso aqui, de metrô, as pessoas buscam os santuários nacionais, locais, continentais em tradições de datas, promessas e preces repassadas de geração em geração; em práticas sensacionais da religião popular. Fazem disto um tempo forte de imensa vivência religiosa, onde há visivelmente o encontro simbólico do santo com o povo, num contato direto. Toda manifestação explícita religiosa tem importância para a consolidação da fé.

Quatro meses ainda é muito pouco tempo, mas já dá para, nas minhas observações, ver a experiência pessoal e coletiva de motivos, buscas, sonhos e aflições; do sair de casa, de caminhar sozinho ou ao lado de alguém ou de muitos, chegar ao lugar esperado do encontro, retornar para o lugar de origem, possivelmente marcado pela força de uma aproximação com o sagrado (não podemos esquecer que muitas romarias são apenas turismo religioso; agências de viagens, guias e organizadores que levam apenas para a atração da festa tradicional em algumas cidades, mas isto é uma outra prática. Muitos preferem o pastel, coxinha e cerveja gelada, e depois aquela canequinha "do estive lá e lembrei de você". Nada de reza! O que eu quero relatar aqui é a prática da religiosidade popular como real busca de Deus).

Os Santuários são lugares teofânicos, isto é, lugar onde o Sagrado se revela e toca o devoto de uma maneira original. Espanhois e portugueses trouxeram para nós da Europa esta prática organizada, mas já encontraram aqui lugares fortes, onde a figura de Jesus, sofrido e humilhado, da Virgem mãe bondosa e terna, santos e santas, estão sempre presentes como intermediários poderosos. É o espaço dos ritos, narrativas, objetos sagrados, lendas ingênuas, milagres, velário, banda de música, cânticos e procissões que passam pela têmpera do povo e se tornam uma referência de esperança e certeza de que, naquele lugar, Deus ouvirá o clamor de seu povo e o livrará de seus males.

Ir a um Santuário é como percorrer um caminho de terra desconhecida e inóspita; é refazer a epopeia de Ulisses no relato de Homero, ou dos nossos Guaranis na busca da Terra sem Males. A dureza da caminhada e da longa viagem chama a atenção para a ideia e o real de que a vida é difícil, e a via que leva para o alto supõe superação e conversão. Num Santuário, o fiel cumpre um ritual de tipo penitencial e purificatório. É mística popular mesmo! A penitência se mistura com a alegria, a reza com rojões, a confissão e promessas terminam com frango e farofa, porque tudo é um grande encontro de parentesco, fé, lazer e souvenirs, emoção e a certeza: "Enfim, cheguei!"

Peregrinação, romaria, caminhada é sentir que, depois de ter percorrido um certo caminho, há o encontro, físico e espiritual, com o outro diferente e igual ao mesmo tempo. Não há prática assim que não leve a uma mínima ou sensacional transformação. É o instante da unificação do humano e sagrado, da regeneração moral. Deus é fato social e coletivo, porém é afirmado para além da sociedade. A emoção aí vai também além da racionalidade. Ir a um Santuário é um Ritual de Passagem. Entendam isso com tudo o que descrevi até agora acrescentando os laços entre pessoas e Deus. É o reavivamento da imagem e semelhança. Toda a questão, para nós que estamos aqui, na acolhida deste povo, é ajudar a transformar esta busca ocasional e dispersa em laços duradouros e consciência de pertença; e a delicada orientação para que não haja uma contaminação supersticiosa ou um escapismo espiritual.

Santuário é itinerário de fé, sinal de identidade pessoal e coletiva, reencontro com raízes puras da crença, e aquele sonho de estabilidade, confiança e maturidade psicológica, religiosa, cristã e humana. Aqui entendo muito o que São Francisco dizia para nós: "Nosso claustro é o mundo!"

Para chegar ao Convento de Santo Antônio não é muito simples. Tem escada íngreme com desconfortáveis degraus para subir e descer, elevador apertado e sufocante, uma praça com chocante exposição de miséria humana em todos os sentidos, tem a agitação, barulho e sujeira típica de centro de cidade... Porém, quando se chega ao Santuário, é como se isto tudo nada existisse. Há calma, silêncio, ritos e preces. Uma ilha, um oásis, uma misteriosa fonte na metrópole... Muitos prédios que nos cercam, envolvem e nos olham com estranha curiosidade...

Comentários

Anônimo disse…
Oi, fr. Vitório! Paz e bem!
Tenho certeza que você fará uma belíssima missão aí com os cariocas. É uma pena pois, agora você está bem mais longe.
Um abração,
Ir. Marizângela
Anônimo disse…
Salve Maria!
Sua benção Frei Vitório.
Eu me deparei com o blog do senhor quando buscava por curiosidade relações ao nome do Frei Dagoberto Romag. Pelo visto o senhor o conheceu é verdade? Tenho que agradecer ao Frei Dagoberto por ter escrito aqueles 3 tomos sobre a história da igreja que acabou caindo nas minhas mãos e estão agora aos olhares de qualquer um no site chamado www.obrascatolicas.com.br . Eu sou um apaixonado por uma boa literatura católica, uma boa literatura que sirva para aumentar sempre e sempre mais a convicção por ser católico romano e arrancar sofismas e utopias do mundo moderno. Porque a única coisa que vale apena ser neste mundo. É ser cristão ou seja consequência óbvia. Católico Apostólico Romano. E o Frei Dagoberto me ajudou e vem ajudando muito a amar a Igreja por seus escritos. Esse escrito dele é um compendio da história, tem muita coisa interessante mesmo. Que Deus pague a Frei Dagoberto.
Me chamo Rodrigo sou de jundiaí-sp.

Como era e é o lema dos fratres franciscanos, seguidores do povorello de Assis: Pax et Bonum.

Rodrigo Salesi