A RIQUEZA DA ICONOGRAFIA FRANCISCANA – 21


O LOBO DE GUBBIO - FINAL

A vingança tem que dar lugar à compreensão dos dois lados. Há na fera um cansaço de tanta mortandade, e Francisco percebe isto e diz: “É de teu agrado fazer e conservar a paz". A paz é aceitação de soluções concretas, da honradez das palavras e a transparência de caráter da parte de agressor e dos que sofreram as consequências da agressão. De um lado o povo, do outro lado o lobo. “Francisco não desempenha simplesmente o papel de um mediador entre partes supostamente iguais. Ele não atua como um diplomata negociador que vai e volta entre contendores em pé de igualdade. Francisco já conhece os anseios de paz da população de Gubbio, por isso não precisa ir consultar os habitantes sobre a sua opinião. Ele carrega dentro de si, como algo que lhe é familiar e caro, a condição sofrida do povo pequeno e os clamores da natureza, sempre ameaçada” (Alberto Moreira, O lobo de Gúbio, p.75).

Mas tem um detalhe que salta aos olhos: Francisco conhece as razões do lobo. Ele descobre a raiz do problema: “Pela fome é que fizeste tanto mal”. Violência gera violência. Negatividade gera negatividade. A privação gera desespero. A malvadez vem do desespero da escassez. O lobo é mau porque é mal alimentado. Nenhuma agressividade vem do nada. “Por isso faz ressaltar, como condição para que a paz seja firmada, o reconhecimento dos direitos fundamentais daquele que é obrigado a assaltar para comer. Francisco, mesmo falando duro com os objetivamente responsáveis pela morte e pela destruição, apela para seu núcleo bom, pois sabe que a violência e a agressividade são devidas em grande parte à contínua negação dos direitos elementares das pessoas, como alimentar-se e abrigar-se, ter tido infância, ter recebido cuidados e afeto (...) Francisco consegue negociar entre o lobo e os habitantes da cidade um acordo: estes se comprometem a não deixá-lo passar fome (pois a fome é a causa objetiva de sua rapina), enquanto aquele promete não mais atacar homem ou animal algum na vila de Gubbio. Sob a intervenção de Francisco não há vencidos ou vencedores e ninguém precisa se humilhar: cada parte é reconduzida à justiça de seus direitos. Mais do que isso, ele revela, finalmente, que saber ou definir quem é o lobo e quem é apenas vítima nunca é questão tão simples e linear. A atuação consciente em busca do bem e da justiça implica a necessidade de superar barreiras ideológicas e afetivas “ (Alberto Moreira, O lobo de Gúbio, p. 76).

E estamos diante de uma Gubbio assustada mas esperançosa. Assustada porque o lobo morreu mas apareceram outros lobos com a boca escancarada. Surgiu o contágio da lepra e o prefeito falou que era apenas uma feridinha, e o pessoal que o elegeu para ser o síndico local concorda com ele em tudo, e virou uma peste apodrecendo corpos e consciências. Também o lobo mau, com a boca escancarada de uma seita inquisidora escondida por detrás de siglas políticas, anda perseguindo pobres, negros, gays, universidades, aposentados, autores e professores, artistas e sindicalistas, livros, obras e conhecimento. Surgiu o corrosivo lobo da mentira, disparando fake news, em postagens que virou capim para a boiada. Alguns até pensam em impedimento do prefeito, mas os mais penitentes acham que ele tem que cumprir o mandato para que os partidários sofram, até o fim, as consequências das más escolhas. O lobo da corrupção cria operações fraudulentas em nome da moral, tem até o Lobby do Lobo que favorece empresários e bancos, e até corrompe juízes. Mas, apesar de tudo, Gubbio tem esperança! E onde está a esperança de Gubbio?

Em dois ícones desta história: um é Francisco de Assis! Ele não fica de fora! Vai em saída sentir o cheiro do lobo e das ovelhas que o lobo devora. Ele não é um espectador culpado que fica arrumando culpa ou desculpas. E vai para o meio do furacão do verdadeiro problema, com seu jeitinho manso e firme ao mesmo tempo, não tem medo de ser mordido pela raiva e propaga a paz como solução dos conflitos. Ele quer o bem e a paz de Gubbio. Chama o lobo para um encontro com o modo de ser franciscano.

O outro ícone é o lobo que aceitou o encontro e as razões de Francisco. O lobo que entende e assume uma nova ordem, uma nova economia, uma nova educação, uma nova distribuição de bens. Ele sabe que conversão é mudar radicalmente para abraçar o melhor dele mesmo: ser um lobo domesticado por valores do verdadeiro Evangelho. Ele não quer mais vestir a pele do bersekir que exclui, que sonha com golpes, que é fanático fundamentalista e belicista, que se esconde por detrás da burocracia e de púlpitos de religião sem alma, pois o mercado roubou a alma da religião; que tem segurança privada, protege os reis do narcotráfico, é racista, antifeminista e não gosta do Papa. Ele é o lobo que mudou! Ao encontrar Francisco e em Francisco o centro de tudo que é Jesus Cristo, aceitou vestir-se da simplicidade que se adapta, da pobreza verdadeira que partilha, da fraternidade que convive, da fé que mostra um novo modo de andar nas ruas de uma Gubbio transformada, agora pacata, bucólica, despoluída de venenos, livre, alegre, festiva e sem receios. Em louvor de Cristo, Amém!

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO FILHO

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