A RIQUEZA DA ICONOGRAFIA FRANCISCANA – 18



O LOBO DE GUBBIO - III

De repente, a tranquilidade de Gubbio é alterada pela presença ameaçadora de um lobo. Cidade e ferocidade entram numa psicose de medo, ataque e defesa. Notícias correm na raivosa negatividade das falas e no uivo aterrador da fera. O povo que acredita no trágico tem que se livrar de coisa ruim. Francisco de Assis entende de povo porque anda na cidade, mas também entende de lobo porque move-se bem na floresta. Atento a tudo vai ter que achar uma saída. Ontem e hoje na mesma parábola.

A informação é que o lobo é grande e o estrago que ele está fazendo é maior. Há animais e pessoas sendo mortas. O prefeito de Gubbio diz: “E daí?” Francisco diz: “Misericórdia!”. A legenda diz: “E todos andavam armados”. O pavor faz com que as pessoas se armem. Muitos viram o lobo e ajeitam armas cortantes, armas de fogo e armadilhas. Os que não viram o lobo têm um inimigo a combater; um animal fictício ou não, precisa ser abatido; fazem gestos de arminha com a mão, saem em passeata pelas ruas da cidade gritando slogans tipo "Gubbio acima de tudo" e o "ódio acima de todos", sem perceber que lobo também gosta de gado.

“Tudo parece mais fácil, e nos sentimos interiormente justificados depois que dividimos a realidade entre “nós – os bons” e “eles – os maus” (ou os “outros”). Lembro-me de Carl Scmitt, o sociólogo mais lido pelos nazistas, que tudo explicava a partir da bipolação amigo-inimigo. Não pode acontecer que justamente a arma, a armadura, a armação é que tantas vezes cria ou reforça o “inimigo”? Quantos grupos e movimentos religiosos, sociais e políticos só perduram enquanto se lhes inculca a existência de um inimigo facilmente identificável, num esquema dual e simplista? Um satã (como queria Regan), um espírito do mal, a corporificação da ruindade e da negatividade...” ( Alberto Moreira, O Lobo de Gúbio...p.70). O inimigo é criado, corporificado, exorcizado em cultos festivos entre aplausos da multidão, e apoiados por movimentos que louvam a Deus e apoiam o prefeito, que na fala de seu poder faz de sua gestão uma seita com muitos seguidores. O lobo não é a única violência de Gubbio e da região, as chacinas e assassinatos transmitidos ao vivo, os milicianos idolatrados, bandidos feito heróis, o marginal mau se torna bom se é morto. A insegurança e o distanciamento da realidade exibem a arma na cintura ou a vontade de ter armas para matar o inimigo, dar um tiro no pé e mostrar que a terapia do gabinete do ódio, dirigido pelos quatro filhos do prefeito oferecendo o suicídio coletivo, está dando certo. É o lobo das armas.

Em Gubbio as pessoas são “tomadas de grande medo” e isto faz com que elas tenham palavras, atitudes e sinais de intensa agressividade. O lobo gerou um estado emocional a tal ponto que todos estavam em estado de perigo, o jornal local, o Gubbio News, não parava de dar plantão diário sobre a ameaça da vida e da segurança dos cidadãos. Todos estavam com o coração acelerado, os batimentos cardíacos batiam em pânico, nos costumes até então mais normais. As pessoas ficavam num dilema: confrontar ou fugir, o clima era de ansiedade, a sensação era que havia algo de desagradável no ar; a pacata cidade começou a viver algo que antes não existia: fobia, pavor e terror, medo da morte, medo da rua, medo de tudo. É o lobo do medo.

Imagem: Cena do filme "Clara e Francisco". O ator italiano Ettore Bassi fez o papel de Francisco. 

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO

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