A RIQUEZA DA ICONOGRAFIA FRANCISCANA – 19


O LOBO DE GUBBIO - IV

“O medo torna as pessoas agressivas e termina paralisando suas ações e iniciativas: sentem-se pequenas e não acreditam que possam mudar por si mesmas sua situação. Como disse o andróide no filme "Blade Runner", não existe nada pior do que uma existência com medo. Segundo o testemunho das comunidades eclesiais e das pastorais sociais, o medo é um dos obstáculos mais difíceis a serem vencidos para que a pessoa se comprometa com as lutas concretas da população, para que passe a defender necessidades coletivas e não apenas as suas próprias ou as necessidades da instituição a que pertence. Talvez por isso se construíram impérios de riquezas e poder (político e simbólico) em cima da manipulação do medo das pessoas. Em Gúbio e nas nossas cidades, o medo é tamanho que as pessoas renunciam a sair de casa e a passear “desarmadas” (Alberto Moreira, O Lobo de Gúbio, p. 71).

O relato de "I Fioretti" continua dizendo que “São Francisco quis sair ao encontro do lobo”. Diante de um desafio existente é preciso enfrentar com coragem. Em Gubbio todo mundo opinava, o falatório era grande, os comentários diversificados, mas quem realmente queria colocar a mão na massa e ir em busca da real solução? Francisco de Assis é um homem do isolamento quando precisava ficar só, mas também do enfrentamento quando o problema estava à sua frente. Não pode esperar que o lobo continue devorando.

Em Gubbio tinha uma roda viva de debates, consultas a pessoas especializadas, discursos politicamente corretos, depoimentos de artistas e campanhas contra a violência que pairava no ar, mas querer ir onde estava o lobo, ninguém queria ir. Francisco de Assis sempre teve a coragem de mudar de lugar para gerar uma mudança necessária de postura e conversão, sempre fez o movimento dos que estão nas ruas da realidade, não ficou batendo panela do alto de edifícios, mas sempre desceu ao chão da verdade. Com coragem e audácia, coloca-se em saída para achar uma saída para a solução do conflito. O lobo está em seu lugar e em todo lugar, mas é preciso ser abordado.

Então, Francisco de Assis, “saiu da cidade com seus companheiros”. Se tem que ir, é melhor não ir só. Problemas são resolvidos com a força de muitos. Tem muita gente que fica na cidade, mas não assume a cidade. É como se a cidade fosse apenas a famosa avenida central onde carreatas, passeatas, estandartes, flâmulas com as cores de Gubbio gritassem contra alguma coisa que ninguém sabe direito o que é. Muita gente mora na cidade, mas não está nela. Quem são os verdadeiros cidadãos? Aqueles que habitam na proteção dos espaços urbanos? Hoje, as pessoas têm medo da cidade e se protegem atrás dos condomínios e câmeras de vigilância. Os verdadeiros cidadãos são os sem casa, sem teto, sem emprego, os sem nada que vivem dos restos da cidade. Eles não têm medo porque perderam qualquer tipo de proteção e moram nas ruas do perigo. A ninguenzada conhece os lobos urbanos. Diz Alberto Moreira: “Mas a cidade é também o espaço das relações petrificadas, das convenções, dos papéis sociais e dos títulos em que a gente vai acreditando. Nela está a casa das palavras e da cultura, que bane a ameaça e expulsa a negatividade, projetando-a para a exterioridade do “outro”, para fora do muro do consciente, do conveniente e da legalidade. A cidade representa a proteção simbólica contra o risco, o caos e o ridículo” (Obra citada, p. 71-72). Doce ilusão são os espaços da cidade. O perigo foi transferido para o periférico, para os lugares de risco, para o mapeamento de lugares onde estão os novos zumbis. Francisco faz um caminho contrário, em vez de ficar no centro de Gubbio, onde poderia ser protegido, vai para onde o lobo foi e está. Se vai com decisão arrasta os que estão com ele. E por isso “Tomou o caminho que levava ao lugar onde estava o lobo”.

Onde está o lobo? Em todo lugar de perigo que ameaça a vida dos que querem estar bem situados. O lobo está onde nas bocas escancaradas do tráfico, nas biqueiras que distribuem químicas da morte para a vida ser degradada. Está no lugar do crime organizado em milícias; está onde as políticas públicas foram esquecidas. Mas sobretudo está onde não se sabe a raiz do mal. É pra lá que vai Francisco, e como ele vai? “Francisco não quer ser herói ou exibicionista, não lhe apraz o perigo por si mesmo, ele nada tem de bonzinho ou doce; talvez até sinta medo interiormente; mas não tergiversa, vai ao ponto, ao perigo, enfrenta suas feras interiores e as feras de seu tempo justamente onde elas estão “em casa”, nos seus domínios (...)Para conseguir ir para fora dos muros, Francisco muitas vezes foi para dentro das cavernas de si mesmo; para conseguir encarar o lobo, passou longo tempo a conhecer e a enfrentar seu lobo interior na solidão das grutas e das montanhas. Assim adquiriu liberdade. É próprio de quem é livre não se deixar aprisionar nas casas e cidades muradas das ideologias, dos dogmas, dos medos e dos rancores, dos esquemas mentais, econômicos e culturais que separam “os de dentro” e “os de fora” (Alberto Moreira, O lobo de Gúbio, p.72-73).

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO

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