A RIQUEZA DA ICONOGRAFIA FRANCISCANA – 13


SANTA CLARA E A GATA

No Processo de Canonização de Santa Clara, depoimento da 9ª Testemunha, a Irmã Francisca de Messer Capitaneo de Coldimezzo, há o seguinte relato: “A testemunha disse também que uma vez D. Clara não conseguia levantar-se da cama por estar doente. Pediu que lhe levassem uma certa toalhinha mas, não havendo quem a levasse, uma gatinha que havia no mosteiro começou a puxar e arrastar para levá-la como podia. Então, a senhora disse: “Bobinha, você não sabe carregar; por que a está arrastando no chão?”. 

Então a gata, como se tivesse entendido, "pôs-se a enrolar a toalha para que não encostasse no chão. Interrogada sobre como sabia disso, respondeu que a predita senhora tinha-o contado, ela mesma” (PC 9ª,8).

O jeito de Clara de Assis nos mostra que tudo o que amamos queremos ter por perto, e não só as Irmãs e Irmãos de Ordem, mas também as criaturas todas. A sensibilidade feminina de Clara combina também com o jeito da sua gatinha. Se a cena descrita acima entrou no Processo de Canonização não foi por um mero detalhe, mas porque frequentava o espaço da convivência diária. Os gatos e gatas fazem parte dos mosteiros da antiguidade, da medievalidade e até nos dias de hoje. Muitas pesquisas, teses e ensaios foram escritos sobre a presença destes felinos no espaço das clausuras.  E por quê? São companheiros fiéis e silenciosos, concentrados, com uma energia positiva, ágeis, flexíveis e leves, alegres, semblante ridente, paciência infinita, misteriosos, fascinantes, espertos e preguiçosos, vigilantes e dorminhocos, amados e odiados ao mesmo tempo; porém, num grupo de pessoas, cercados por todos os tipos de reações, não abrem mão de mimos, afagos, rações e agrados e miam bem alto, de um modo plangente, na hora do abandono e da solidão, para chamar a atenção.

No famoso mosteiro Le Grand Chartreux (1084), nos fins do século XII até o século XIII, uma raça de gato vivia com os monges, assim como viveram nos Mosteiros dos Templários, a tal ponto que deram nome a famosa raça da própria espécie, o gato Chartreux, uma raça extinta; e temos os gatos Persa, Siamês, Angorá, Maine Coon, Ragdoll, Sphynx e tantas outras raças que se espalham pelo mundo. Nos mosteiros antigos, os gatos protegiam os manuscritos dos monges contra os ratos, e eram os guardiães das roças de milho e da horta do mosteiro contra os roedores; e este lado predador era o maior motivo de serem ali criados e domesticados; porém o tempo de convivência fez com que eles se tornassem um ícone entre a utilidade e a estima.

A gatinha do Mosteiro das Clarissas da Gávea, protegida e cuidada, descansa na entrada da capela.

Os gatos passaram a ser um certo símbolo de uma relação mística, fraterna, mágica e provocativa entre o ser humano e o animal. Um encontro entre o natural e o religioso. Pelos corredores, átrios e paredes dos claustros reinventaram o habitat do animal em meio ao habitat do ser humano numa experiência de aproximação ou afastamento, mas nunca de falta de cuidado. Gatos e monges observavam-se mutuamente. Presentes até nos momentos da meditação e da liturgia, sob os altares e escondidos no coro das capelas, os gatos mostraram algumas qualidades a serem imitadas.

Desde a civilização egípcia os gatos foram e são reverenciados com jeito mágico e até espiritual. Unem uma dimensão religiosa e supersticiosa, como se trouxessem respiros de força e poder visível e invisível, e estão entre os animais mais queridos na comunidade de vida. Valentes e corajosos sabem retirar-se com estratégia nos momentos de conflito. Brigam por amor, por paixão e cio, pela atenção do afeto e pelo território bem marcado. Audição refinada e olhar potente, acostumados à escuridão, andam bem na ensolarada claridade do dia com a mesma desenvoltura que se movem na noite tendo todo o tempo oportuno para olhar a lua.

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO

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