ECOTEOLOGIA- PARTE 16- UNIDADE 4: A ECOLOGIA INTEGRAL E A ECOTEOLOGIA- 4. ECOTEOLOGIA E A TERRA REDIMIDA

 

A ecoteologia é o olhar sobre a questão ambiental, a partir da ótica da fé, da espiritualidade, da mística, da teologia, que tem como intuito ver esta realidade com base no filtro religioso e das religiões. Há uma intensa relação entre Deus e todo ser criado e que é abordado por todos os credos. O cristianismo tem uma visão muito própria de ecoespiritualidade. A fé cristã tem um modo próprio de celebrar a vida dentro de seus ritos, pão e vinho, corpo e sangue, todos os elementos que estão na força sacramental, água, fogo, vento, flores, e um mundo de símbolos nos ritos, no altar, na arte sacra e nos textos devocionais e litúrgicos. A ecoteologia ganha seu espaço como uma nova hermenêutica teológica.

A redenção não atinge apenas a dimensão humana, mas toda a terra entra na força salvífica e redentora. Não existe uma teologia fora da realidade que não esteja enraizada no chão da experiência. Deus está em meio a tudo que existe e por isto respondemos aclamando com certeza e convicção: “Ele está no meio de nós”.

A Bíblia nos ensina a contar uma história orando e atravessando caminhos rumo à terra prometida. Há uma ação de Deus sobre a história e em todos os detalhes da vida. Há Revelação, Tradição e Mundo, Transcendência e Imanência. Tudo está interligado também na reflexão teológica. Nenhum discurso teológico pode estar distante ou separado da realidade. Tudo o que é importante para a humanidade é muito importante para a teologia. Para o cristianismo, a Encarnação é a cristificação da matéria, pois tudo foi tocado por Deus de um modo muito especial. A Terra toda, todo o Universo são chamados a participar do projeto do Reino de Deus.

Se podemos definir a Teologia como a ciência da fé, podemos declarar também que a ecoteologia é um olhar sob a ótica da fé dentro do conhecimento planetário. Por isso, temas como ética da terra, ética planetária, consciência planetária e espiritualidade ecológica serão seus objetos de reflexão, pesquisa e ação.

Somos filhos e filhas da terra, o que nos coloca dentro da teologia da criação, faz renascer uma antropologia teológica, gera uma releitura dos relatos bíblicos da criação. A teologia dialoga com a geociência e a ecoteologia nos leva a perguntar: qual o lugar e o papel das criaturas todas no projeto salvífico? O que seria o novo céu e a nova terra? Como aproximar humano e divino, céu e terra, matéria e espírito, corpo e alma? O futuro da vida depende das respostas a estas perguntas. Temos que integrar a salvação na pluralidade das questões.

O termo “ecoteologia” agrega o prefixo “eco”, pois alude à “ecologia” [...] o termo é muito amplo e abarca aos menos três âmbitos: ciência da interdependência de todos os seres, ética do cuidado com o planeta e paradigma pós-antropocêntrico. A ecologia apresenta várias vertentes: ambiental, mental, social e integral. Ela visa compreender como os seres relacionam-se na biosfera. (MURAD, 2016, p. 212)

IMPORTANTE

Ecoteologia é a reflexão aprofundada das relações, conexões, intercâmbios e interdependência, ou seja, um saber de saberes entre si relacionados. Assim, “[a] singularidade do saber ecológico consiste na transversalidade, quer dizer, no relacionar pelos lados (comunidade ecológica), para a frente (futuro), para trás (passado) e para dentro (complexidade) todas as experiências e todas as formas de compreensão como complementares e úteis no nosso conhecimento do universo, nossa funcionalidade dentro dele e na solidariedade cósmica que nos une”. (BOFF, 2015, p. 20)

A ecoteologia desafia aquele que crê a ampliar a sua visão e compreensão de quem é o ser humano, qual a qualidade das suas relações com a grande teia da vida: terra, fogo, água e ar, micro e macro organismos, porque moramos em uma comunidade de vida. Em virtude disso, a ecoteologia tem como função provocar a fé para que saia apenas como solução de questões pessoais e se comprometa com o todo da existência. Sair do consumismo para a partilha, da dominação para a administração do cuidado por todos os seres, do viver sem sensibilidade para um bom senso em saber, compreender, perceber e cultivar a vida em todos os aspectos. A ecoteologia tem que estar inserida dentro da doutrina cristã e de outros credos e não fora dela.

A terra ganha destaque na reflexão teológica, a obra criadora é eterna e ainda não está terminada, ela é um dom, um corpo místico cósmico. Viver é graça sempre original e originante. Mesmo sendo seres privilegiados, temos uma responsabilidade maior perante todas as criaturas. Deus é destacado na ecoteologia como comunhão, como Trindade, Ele é imanência, transcendência e transparência presente em todas as criaturas.

Sob influência do paradigma ecológico, a ecoteologia enriquece a reflexão sobre a Trindade. Desvela que o Deus Uno e Trino, Comunidade Amorosa e Interdependente, é a referência primordial e última que fundamenta a biodiversidade, a diversidade humana, a prioridade da cooperação sobre a competição, e a interdependência de todos os seres na comunidade de vida. Se a essência de Deus é relacional, toda criatura pode ser entendida como ser-em-relação. (MURAD, 2016, p. 225-226)

A ecoteologia quer nos ensinar que temos que pisar com respeito na terra, onde não só pisamos como também nos enraizamos. Ela é a moradia que nos envolve e nos protege, por isso, temos que protegê-la. Ela mais do que uma força material é um organismo vivente e fecundo que abriga, em seu ventre e na sua superfície, todas as formas de vida e o mundo humano está dentro dela e não sobre ela para dominar e destruir.

A teologia se une a todas as ciências para mostrar que as ciências naturais, culturais e espirituais se unem nas pesquisas para salvar o organismo terrestre, em um caminho integrador de todo conhecimento, para uma sobrevivência conjunta.

Os ecossistemas pertencem a diversidade de formas de vida entre as quais o mundo humano habita. Redimir a terra é transformá-la no espaço sagrado onde tudo se interliga, céu, terra, mar e ar. No Credo Niceno-constantinopolitano, temos a afirmação de mundo visível e invisível. Céus, no plural, é o espaço que se abre para Deus de um modo inefável pois o Divino não tem limites. Terra, no singular, porque ela contém em seu espaço limitado todo o universo.

Nesses espaços, então, Deus faz sua morada. Deus é criador e a terra é símbolo da fertilidade que vem do divino. Deus cria espaços para a vida e a vida recria com o Criador com toda a força criadora e evolutiva. Para o mundo bíblico a terra faz parte da aliança. “Ponho meu arco nas nuvens, como sinal de aliança entre mim e a terra” (Gn 9,13). Temos que respeitar a vontade de Deus sobre a terra (MOLTMANN, 2012, p. 136-139).

CONCLUSÃO

A proposta desta Unidade foi mostrar que toda a vida, todos os seres, o ser humano e o seu agir diante do mundo e das coisas precisam estar envolvidos por uma espiritualidade. Reforçamos que não se pode separar a ação da contemplação. Porém, toda espiritualidade tem que levar a uma iluminação das práticas e mudança de atitude, uma verdadeira transformação e esta transformação implica na atenção sensível a tudo o que nos circunda no cotidiano, sobretudo no que diz respeito a natureza.

Sinais dos tempos são vistos sob o olhar da fé e da realidade e esse olhar traz resistência. Cuidar do aqui e do agora, do Reino que está próximo para ter um futuro, é uma escatologia que mostra o que vem depois como consequência de uma absoluta realização de um mundo transformado. Assim, precisamos fazer novas todas as coisas, mostrar o novo céu e a nova terra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Texto originalmente publicado pela USF- FREI VITORIO MAZZUCO FILHO


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