ECOTEOLOGIA- PARTE 15- UNIDADE 4: A ECOLOGIA INTEGRAL E A ECOTEOLOGIA- 2. SUSTENTABILIDADE E A RELAÇÃO VIÁVEL ENTRE A HUMANIDADE E A NATUREZA - 3. LINHAS DE ORIENTAÇÃO E AÇÃO
O que é sustentabilidade? Se estamos abordando a harmonia entre o ser humano e todas as formas de vida: o ambiente, a cultura, a arte, a sociedade a economia, e se estamos querendo criar, conservar um sistema unindo o humano e a Natureza, estamos no caminho da compreensão do que é sustentabilidade. É uma mobilização em torno do bem-estar comum, sem o uso e o abuso massacrante do que é o natural. Mas isso não esgota a compreensão de sustentabilidade, pois ela é hoje um parâmetro social, moral e ecológico.
Esse é um dos temas mais discutidos da atualidade, que entra na educação e em diferentes áreas do saber tais como: agricultura, direito ambiental, engenharia ambiental, economia, ética, filosofia e geografia. A sustentabilidade tem a ver com aumentar os recursos naturais e fazer com que eles cresçam com a aplicação natural de seus próprios recursos.
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Onde hoje temos pequenas reservas florestais ou algumas praças arborizadas, um dia poderia ter sido uma grande área de mata atlântica com espécies mais variadas. Nesta mata as árvores, frutos, flores, sombra e a diversidade de madeiras. À sombra úmida da mata as folhas secas e os restos de animais iam se decompondo e adubando o solo e as raízes. Em meio ao calor e a chuva os nutrientes naturais da terra alimentavam todas as espécies da flora. Nasciam novas mudas e delas novas plantas formando a biodiversidade.
Sem erosão, a água da chuva canaliza-se de um modo ritmado e irrigando arbustos, árvores frondosas, orquídeas e bromélias, ramagens e cipós, e a vida vegetal e animal se auto alimentavam. Ao apodrecer, com o tempo, caiam e nasciam de novo em um natural reflorestamento. Aves e vento ajudavam a espalhar sementes em um replantio próprio entre fauna e flora.
A sustentabilidade
sempre existiu, ela foi supressa quando houve desmatamentos, urbanização,
excesso de cimento e asfalto. A sustentabilidade ajuda a terra a se recuperar. A
sustentabilidade é um modo de produção que aproveita o que existe, reciclando e
economizando, não deixando cair um ecossistema.
Posto isso, não podemos deixar de destacar o conceito de sustentabilidade criado por Leonardo Boff (2012, p. 107) que a define como
[...] toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando sua continuidade e ainda atender as necessidades da geração presente e das futuras, de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução e coevolução.
A relação possível entre a humanidade e a natureza é que a sustentabilidade tem que ser ecologicamente justa, natural, inclusiva e economicamente viável. Tem como se produzir sem detonar o natural, sem extinguir as fontes de energia, os mananciais e sem impactos ambientais. Buscar, então, o alternativo para não extinguir o potencial natural.
Essa relação sustentabilidade entre a natureza e a humanidade atinge vários aspectos da vida: os alimentos, a energia alternativa, material reciclável, o lixo não degradável, os sumidouros de dejetos, transporte e moradia, não uso de agrotóxicos, plantio de árvores e grama nas encostas, enfim, um extremo cuidado para com a terra, onde está enraizada a vida humana e suas comunidades viventes. As palavras de ordem são: cuidar e preservar a matriz vital da terra.
Fazer com que os ecossistemas não sejam afetados, porque eles são essenciais para a reprodução da vida, não cuidar, é deixar morrer. É preciso prevenir para ter futuro e salvar toda uma civilização de agora e a que virá.
Atualmente alcançamos um nível tal de agressão que equivale a uma espécie de guerra total. Atacamos a Terra no solo, no subsolo, no ar, no mar, nas montanhas, nas florestas, nos reinos animal e vegetal, em todas as partes, onde podemos arrancar dela algo para nosso benefício, sem qualquer sentido de retribuição e sem qualquer disposição de dar-lhe repouso e tempo para se regenerar. Mas não nos iludamos. Nós, seres humanos, não temos nenhuma chance de ganhar esta guerra irracional e desapiedada, pois a Terra é ilimitadamente mais poderosa que nós. De mais a mais, nós precisamos dela para viver. Existiu bem antes do surgimento do ser humano e pode, tranquilamente, continuar sem a nossa presença. Mas será uma perda inimaginável para o próprio universo que, nesta sua pequena porção que é nosso planeta, não mais se poderá, mediante o ser humano inteligente e consciente, ver-se a si mesmo e contemplar a sua majestade. (BOFF, 2012, p. 23-24)
A sustentabilidade tem a ver com o futuro das gerações, a partir dos cuidados de agora e do cuidado com os desfavorecidos.
Na Carta do Rio de Janeiro se afirma claramente que “todos os Estados e todos os indivíduos devem como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atender as necessidades da maioria da população do mundo. Estabeleceram também um critério ético-político no sentido de que “os Estados devem cooperar, em um espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade dos ecossistemas terrestres; face às distintas contribuições para a degradação ambiental global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. (BOFF, 2012, p. 35)
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Para um completo conhecimento, compreensão e prática da sustentabilidade, sugerimos e insistimos na leitura da obra de Leonardo Boff intitulada Sustentabilidade: O que é - O que não é. Petrópolis: Editora Vozes, 2012.
3. LINHAS DE ORIENTAÇÃO E AÇÃO
Temos que partir de um princípio que norteia a humanidade na sua dimensão tridimensional: nós somos éthos (Ήθος), isso é, a casa do coração, a casa da nossa identidade, da nossa sacralidade mais intima, do nosso núcleo, do nosso centro, do nosso mais puro “eu sou” à nossa forte subjetividade. Nós somos ética (Ηθική), e isso significa a casa dos nossos valores, virtudes e princípios, a nossa dimensão relacional e fraterna. Nós somos óikos (ΟΙΚΟΣ), a casa do mundo, do circundante, a nossa consciência e vivência planetária.
Esse tríplice olhar sobre a realidade é um olhar espiritual que instaura a amplidão do olhar: do imediato visível ao olhar com os olhos do Espírito. Esse olhar parte de dois pontos de vista: o olhar a partir da Mística (muien, mistikós), o olhar profundo que penetra o interior de todos os seres e da realidade. O olhar que desvela o Ser que nos faz ser. O Ser que tudo sustenta e tudo governa. E o olhar a partir da Poética (póesis), que vem de emoção, admiração, encantamento, simplicidade, consanguinidade. O olhar que consegue perceber o acabamento mais íntimo e perfeito de todas as coisas.
O Dom de Existir é estar na mesma casa, sentir-se bem na mesma casa e cuidar da harmonia da casa. É conviver e não usar a partir de sistemas utilitários. É estar no mundo e ir pelo mundo, refazer o itinerário da existência. Tudo é um caminho que sai e retorna para o seu único lugar: o lugar sagrado. Quem escreveu o livro do Gênesis fez este percurso. É uma via metafísica, isto é, um movimento de espírito para compreender a realidade.
Tudo sai do Todo, tudo revela a sua face e faz o retorno ao Sagrado. É a origem de Deus como causa eficiente. É perceber as manifestações, as Hierofanias, desdobramentos de forças que vem de uma ação divina, os vestígios e imagens deste Deus como causa exemplar e causa final. Por isso, estamos aqui refletindo tal caminho que chamamos Espiritualidade e Ecologia, uma cosmovisão muito especifica, a mística da casa.
O que é a mística da casa? A mística nos dá um modo singular de pensar a existência e, com isso, podemos tratar um pensamento místico, de uma filosofia mística, de uma postura mística que perpassa um modo religioso de estar no mundo. A mística gera uma forte espiritualidade e é aqui (na mística e na espiritualidade) que uma experiência se articula e faz uma ponte entre o mundo vivencial e o mundo da fala.
Não podemos esquecer que mística sinaliza, essencialmente, uma experiência real e não uma abstração. A mística das relações com todos os seres é uma ecologia. Não é fácil abordar sobre a mística, porque é uma perseguição sem pouso a tudo aquilo que se subtrai, mas é estar sempre na dinâmica de alcançar. A espiritualidade é a vida vivida nesta dinâmica. É a incessante busca de Deus.
Muitos pensam que a linguagem mística é falar com a língua dos Anjos, mas quem garante que alguém quer ouvir? Quem garante que alguém vai entender? É como articular sobre a experiência de uma dor intensa que se está sentindo. O outro entende o que é a dor, porém não consegue entender a dor que você está sentindo. De forma semelhante, vive a pessoa mística a sua experiência de estar na vida: para a sua experiência há uma evidência, para o que está fora dele nem sempre isto aparece tão claro.
Mística é a profunda experiência de união do eu com o Todo, em um encontro entre o humano e o divino, o céu e a terra, o espírito e a matéria, o imanente e o transcendente. Esse encontro possui um potencial místico que salta para fora e faz uma ponte de ligação com todos os detalhes da existência. A mística moderna chama essa experiência de unicidade: unidade, presença, felicidade, vida, morte, amor e tempo.
A mística possui essa força que visa a união, reporta ao amor a todos os seres e abre as experiências humanas para viver positivamente. Ser uma pessoa mística não é viver em uma passividade, mas sim estar no contínuo movimento de perceber o encantamento pelo Inefável (o Sem Limites).
Não é fácil encontrar um nome para o Todo, por isso, a pessoa mística se afina mais com a linguagem poética. A linguagem poética não se fecha no círculo de uma definição, mas sugere, representa, alegoriza, usa as metáforas para fazer uma alusão ou uma hermenêutica da verdade presente em todo ser criado. Faz uma alusão, uma reverência, uma exclamação, quando não consegue uma denominação exata.
O Todo aparece sob muitos significados. Assim, podemos dizer Deus, o Divino, o Sagrado, o Absoluto, podemos sempre dizer com reverência quando, através da linguagem, ficamos maravilhados. A linguagem é o lugar em que a pessoa mística se depara com a prece. É a comunicação de sua experiência com o Divino.
Holderlin trata da união com a natura. Max Scheler aborda da sensibilidade cosmovital. Os dois evidenciam a capacidade do ser humano de sentir-se parte do cosmo. A tradição judaica insere o humano neste contexto pela experiência do salmista. O conceito de Holderlin e de Scheler não é apenas um estado de consciência ecológica moderna, mas é viver a vida com qualidade mística, ou seja, um modo de estar em comunhão com o Cosmo como consanguinidade criatural e não como uma mera consciência militante ambiental. Pois, existe uma unidade entre céu e terra, mas há momentos em que acontece uma ruptura e não se percebe a fecundidade desta unidade. Foi o grande encontro entre céu e terra, espírito e matéria que permitiu a multiplicidade dos seres e gerou o Paraíso.
Ao perder a unidade o humano vive com saudade de reencontrá-la e voltar ao Paraíso perdido, a mística e a espiritualidade permitem este encontro, permitem que o humano volte a abraçar o céu e a terra. “Ser puro significa reencontrar aquele Lar da alma onde sentimo-nos ligados a este mundo” (CAMUS, 1954, p. 45). Tanto no Oriente como no Ocidente, desde a antiguidade, sobretudo no período medieval e em nossa contemporaneidade, a Unio Mistica é o centro dos pensamentos e experiências.
A Unio Mistica é o Misterium Tremendum:
O humano entra em contato com o segredo da criação e se extasia diante da grandeza deste mistério que tudo pervade. Isso resulta em reações ou manifestações emocionais mais diversas, como: espanto, admiração, temor, reverência, maravilhamento, medo, ou formas mais brandas de sentimentos e reações, como por exemplo, o silêncio contemplativo. O segredo do encontro com o Sagrado tem a sua fala e não falatório. Há um recolher-se para colher a manifestação da experiência e isto leva à quietude.
A Unio Mistica é a Majestas:
A admiração plena da Grandiosidade do Divino presente em tudo e aquela sensação de anulação da própria existência diante da existência de Deus. O eu torna-se poeira e cinza diante da Majestade Divina, mas é exatamente aí que experimenta a força e a transcendência de ser um humano habitado pelo divino.
A Unio Mistica é Orgé:
Vontade, paixão, força, movimento, Energia, atividade, ação e numinosidade, ou seja, aquilo que foge ao alcance dos conceitos.
A Unio Mistica é também Fascinans:
Atração, fascinação, aproximação, intimidade, trazer bem para o coração. O humano, diante de todos os seres, não pode se sentir repelido, mas atraído. O numinoso promete o sadio, acena com algo que é sempre mais ou ainda mais. Esse contato transcende qualquer estado emocional comum. A sensação que o fascinans deixa na alma humana é indizível; a língua é incapaz de expressar o que a alma sente.
A Unio Mistica é o Augustus:
O valor numinoso que é o encontro entre o visível carnal e o invisível espiritual como força de atuação. A fala audível do mistério com o silêncio contemplativo. O fio que liga céu e terra. O olho do Anjo no olho do Humano. É um estado sensível de alma, uma inteligência contemplativa. O numinoso possui uma Força Grandiosa (Augustus) que fundamenta todos os valores. Sem o Numinoso não existe base para exigências morais. (cf. Deus nas Constituições e Estados e Nações).
O muito diferente que está presente no Tremendum, na Majestas, na Orgé e no Augustus. O estranho ultrapassa o nosso horizonte racional e faz mais do que nos assustar, quer nos colocar em uma experiência de humildade frente as dimensões tanto do universo como da nossa existência e de nossas ações.
Espiritualidade e ecologia como reconstrução da casa interior e exterior é um caminho em busca da identidade. Temos que fortalecer uma espiritualidade para termos o belo arranjo da casa interior que vai influenciar a harmonia exterior. Temos que ir fundo nas opções e escolhas em oposição ao forte consumo. Até o neo convertido hoje é um consumidor religioso, vive de souvenirs da fé e não do encontro com o mistério, e não tem a contemplação da ação, mas fotografa a ação do mistério. É a imagética, o excesso de câmeras digitais nas celebrações. Menos preocupação com a auto-imagem (selfies), e olhar mais o circundante.
A espiritualidade e a ecologia podem recuperar a civilização do vazio. Deus assume a vida. Temos que recuperar a mística da Encarnação. Ele é Alguém que vem habitar em meio a nós e tomar a nossa forma. Morar junto. Ele é parceiro, mais do que energia e fé Ele é cuidado. Deus deve transparecer no rosto de todas as práticas de cuidado e gestos de Amor. Como vê-lo na depredação? A espiritualidade e a ecologia hoje moldam a Identidade Humana, que também é a nossa casa. A espiritualidade e a ecologia são degraus da escada para entrar na casa. Para entrar na casa você precisa escalonar e deixar a escada, mergulhar em uma forte experiência. O concreto da vida é a escada pela qual nós vamos sempre entrando mais e mais na moradia do Ser.
É através de experiências como essas que nos apaixonamos mais e mais pela vida. Cada momento da história nos dá essa possibilidade. O Curso que estamos fazendo aqui nos dá a possibilidade de sabermos quem somos nós, criaturas e criação. Um estudo pode desfigurar o rosto da vida, mas também transfigurar. Assim, a identidade é chegar a verdade de nós mesmos e a verdade de todo ser criado.
EXEMPLO
São Francisco de Assis tem como identidade relacionar-se fraternalmente. Ele se vê relacionado com toda a realidade histórica que o rodeia, pois é nela que se relaciona com seu fundamento, com seus princípios. Fez do Evangelho o caminho para fraternizar tudo o que existe. Uma caminhada de despojamento para vestir-se das riquezas de Deus. Uma caminhada de sonhos para realizar projetos. Sua identidade foi adquirida no andar pelo mundo em busca da verdade. Sua vida foi um processo de abertura (obediência) aos valores presente em tudo e em todos.
É preciso transformar a vida no Cântico das Criaturas, dobrar-se humildemente ante a grandeza do Altíssimo. Ler-se em meio às Suas obras, ver-se no espelho da criação. Cantar o sol e a lua que iluminam a sua fala, pegar a palavra e levar para a essencialidade dela. Se você fizer bem a fala, a partir da convivência com a vida, a humanidade vai ver nessa fala a presença da divindade. Toda fala deve ser um relacionamento do Ser com o caminho. Todo e qualquer relacionamento é prestar atenção nos sentidos que se apresentam como significado. Todo e qualquer relacionamento é prestar atenção nos sentidos que se apresentam como significado.
O ser humano é essencialmente um caminho, em que cada passo que dá é que faz este caminho surgir. O caminho vai aparecendo como a síntese do sentido da vida. Você tem a palavra, mas ouvindo todos os seres.
A espiritualidade e a ecologia são o nosso caminho ontológico (logos + óntos): a colheita do ser, o humano colhido pelo ser. E tiramos o sentido de todas as coisas no encontro com todas as coisas, que é uma abertura aos diferentes toques do caminho. Esse encontro é mais encontro, quando cada qual se torna mais a sua identidade em comunhão com todo o ser criado. Quando vive a sensibilidade da percepção de tudo o que existe de um modo mais fascinante e profundo. Quando cada um, cada uma, é mais total e faz dos caminhos uma Convergência de totalidades.
A espiritualidade e a ecologia são temas emergentes da Modernidade. Modus aernus, moderno: espaço aberto, horizonte, não um caminho já feito, mas o modo como abertura de uma possibilidade. Modo é o caminho para se chegar a realidade. A história é a força que mostra o diferente das épocas assim como a floresta é o diferente das árvores. As datas são apenas marcos comemorativos, mas são as diferenças que fazem o movimento, a força que move o momento, o caminho da história e a dinâmica da história vai mostrando o diferente da humanidade.
No momento em que estamos vivendo a eco-espiritualidade faz a diferença. Mas o moderno retoma o Medioevo, a Idade do Meio: esse movimento pendular entre o antigo e o novo. O caminho medieval nos legou a trilogia: fides, natura, creatio. A Idade Média traz a universalidade, a intuição e a teologia, e tem como centro de seu empreendimento as catedrais. A Idade Moderna nos dá a universalidade, a catolicidade e a ciência e tem como força a empresa. A empresa que explora a matéria prima começa a se rever a partir da provocação da identidade espiritual.
Do Medieval ao Moderno à influência do pensamento que pensa, a fala da Filosofia traz as provocações de Blaise Pascal, de Reneé Descartes, de Heidegger. A partir daí temos o pensamento cartesiano: RES COGITA: o ser que pensa (cogito ergo sum). Na filosofia heideggeriana, pensar o que pensamos com maior radicalidade. RES ESTENSA: ser que representa o mundo que está ali aos pés do familiar.
O Cântico das Criaturas é o canto das diferentes representações do Senhor. RES INFINITA: o ser que se supera, a superação que vem da evidência do infinito. A inspiração dando sopro ao objeto. Pelo toque infinito o objeto deixa de ser objeto. Só é real o que pode ser concebido em sua verdade. A força do espírito que tudo move é a ontologia da realidade. Se isso não for trabalhado, não se está dentro de um projeto existencial. Aqui está a grandeza do humano entre as criaturas. Somos inumanos quando não deixamos ser a verdade das coisas.
No pensamento de Pascal, ESPRIT DE GEOMETRIE: é o diálogo com a realidade, o diálogo com as coisas que eu posso ver, que posso teorizar, que posso tocar em um conhecimento palpável, métrico e estatístico. ESPRIT DE FINESSE: é o silêncio contemplativo da fala. Não consigo dizer então me calo e reverencio. Deixo todos os seres na sua máxima doação. Olho e compreendo a partir do coração. É o bom modo de olhar que percebe e dá brilho às coisas. ESPRIT DE FOI: é acreditar. É a fé. Aqui morre a geometrie e a finesse e só resta o absoluto. Jesus morre para viver. Olhar a partir da fé é a mais plena atenção e a mais natural oração da verdade. O discípulo viu e acreditou.
Precisamos ver, tocar, ouvir mais. Precisamos crer e não duvidar que existe a partir de um mergulho pessoal na realidade. Somos mais crença do que fé. Crença é confiar no que outros ouviram e relataram. “Senhor, quem sois vós, quem sou eu?”. Do medieval ao moderno, a existência e a essência são a mesma coisa. Na modernidade, a essência anda mais esquecida. Como sabemos que algo existe? Vendo, vendo imediatamente, vendo através da intuição. É a maneira mais imediata de constatarmos a existência das coisas.Tocando. É o toque no objeto, o toque em alguém, a percepção imediata das coisas. Ouvindo. Sentir o som que tudo pervade, a tonância, a vibração. Tudo isso leva a pensar e provar e leva a perguntar: você duvida que existe? Alguém já viu a Alma? Existe algo em nós que não é somente corpo, que não é somente matéria? “Eu sou.” – O eu que pensa deve ser uma substância, uma realidade. É desse modo que ele capta o Espírito que é uma realidade permanente. É identidade e consciência. Todas as coisas revela Aquele que é.
Como podemos estar certos da existência de Deus? Ele é um Ser que é uma essência existencializada. Ele é o Ser Necessário que implica em uma existência. Ele é o Ser Possível que passa da não existência (do oculto) para a existência (a revelação através de suas obras).
As coisas, por sua vez, não são Deus, mas Ele está nelas. Ele existe pelo simples fato de existirem as suas obras. A sua manifestação O tornou Possível. Deus é um ser absolutamente necessário. Enquanto a vida existir, Ele existe necessariamente. O mundo, a vida, as criaturas todas são eternas e necessárias. Elas vieram de Deus por um processo necessário. O mundo é causado por Deus, temos que por isto preservar a nossa casa- mundo.
Do medieval ao moderno, uma verdade: Fides quaerens intellectum, a fé que procura compreender. Primeiro crer, depois compreender. Acreditar na vida como uma questão de fé. Amar a vida é compreender Deus em sua essência. Santo Anselmo (1033- 1119) dizia: Credo ut intelligam, eu creio para compreender. O acesso a verdade das coisas se dá pelo caminho da fé e compreensão. Não pode haver um mais e um menos, se não houver o máximo. Por isso, Espiritualidade Ecológica é dizer: creio que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior. Deus é maior se pensado na verdade da realidade. Pensar Deus é pensar o seu Ser Divino existente na realidade. Creio... logo Ele existe. Vejo... logo Ele existe. Penso... logo Ele existe.
Nossa perfeição, nossa imagem e semelhança de Deus corresponde ao nosso conhecer e ao nosso modo de ser. O ser humano é um Espírito Encarnado, por isso, ele só pode conhecer coisas encarnadas. O caminho religioso é mediação para que nós possamos dizer a partir do coração (espiritualidade). Tudo o que existe, desde a eternidade por si mesmo, foi criado por Deus (ecologia espiritual). Começa a existir no tempo pela máxima doação de Deus. Ele existe desde a eternidade, e se não existisse Deus não existiria nada.
Todo o nosso ser e todo os seres vem de Deus. Ele não quer reter para si a sua perfeição, Ele quer doar essa perfeição. Nossa perfeição, nossa imagem e semelhança de Deus corresponde ao nosso conhecer e ao nosso modo de ser. O ser humano é um Espírito Encarnado, por isso ele só pode conhecer coisas encarnadas.
Um conceito provocativo para pensarmos a espiritualidade e ecologia e como se dão na prática, ou como iluminação de nossas práticas, é proteger a natureza é dar tempo para que o natural se recomponha e seja sempre cuidado. Não podemos deixar que tecnologias e todo o progresso transformem-se em processos de destruição. Temos que viver a ecologia como profecia: lutar sempre pela qualidade da vida em todas as circunstâncias. Viver e pregar um estilo de vida que gaste menos energia e recursos de fontes de energias.
É preciso, assim, educar para uma comunhão de bens e não de acumulação desenfreada. Que a tecnologia seja criativa em não causar danos; que ela respeite a dignidade humana e o ciclo natural do planeta, a nossa Mãe Terra. Ser guardiões de habitat. Cuidar da evolução das espécies e cuidar da evolução do humano. Se cresce a população, tem que crescer a melhor distribuição de cuidados e de bens. Nenhuma violência de qualquer modo, física ou psicológica, contra a espécie humana e contra a natureza.
Falamos muito de fratura social, mas temos que abordar também da fratura existencial e emocional que atinge o humano. Lutar por um desenvolvimento justo e para a conservação do ambiente natural. Escolher sempre uma política que pense o mundo como plural. A pluralidade sempre existiu, o que mudou foi a proximidade e a rapidez dos meios midiáticos em trazer tudo de um modo acelerado para perto. Antes cada realidade ficava em seu espaço, hoje ela está em nossos cotovelos.
Tudo hoje está no mesmo espaço, está nas pessoas, está nas famílias. Não existem mais muros que nos separam. Não caiu apenas o muro de Berlim. Há uma legitimidade na pluralidade que assusta ainda, mas é aceita (o mundo religioso ainda se assusta com a pluralidade). É necessário exigir e fazer cumprir uma educação para questões ambientais em todos os espaços culturais. Crescem os espaços culturais e é preciso implantar através deles essa educação. Pregar uma democracia ecológica que respeite todas as formas de vida. A vida é um valor por si só e tem que ser respeitada e protegida. Todos os seres estão em relação uns com os outros em uma fraternidade universal.
Toda pessoa tem que se reconhecer parte desta unidade cósmica sem dominação, sem destruição. Buscar uma nova cultura em que se priorize a relação de gênero, a identificação imediata com as mensagens e transparência da vida, criando, assim, mecanismos de vida e não de morte. Ter a coragem de ser diferente, original e verdadeiro naquilo que se é.
Em um Plano de Pastoral, qual o espaço que ocupa o tema Espiritualidade e Ecologia? Na Formação? Na Educação? Tem-se a impressão que as instituições não estão preparadas para isso. Se não entra na dimensão formativa, não vai entrar na vida. Hoje há a liberdade de escolha e a escolha é a partir do indivíduo. Não são mais as fortes instituições que determinam uma escolha (pais saem para trabalhar, filhos saem para morar sozinhos). À vista disso, vale refletir sobre como pensar uma escolha mais totalizante, a partir do Eu sozinho.
Cultura era participar, transformar e divulgar tradições. Atualmente, há um sistema isolado de sentidos; uma feijoada completa em que se misturam coisas, gostos, gasto e satisfação imediata. As experiências são misturadas e geram uma nova cultura. O sentido não existe em si, existe a consciência de cada um em criar seus sentidos. Não existe a cachorricidade, existem cachorros. Há uma hiper oferta de possibilidades em que cada um pode compor uma verdade de seu tamanho ou do tamanho do seu grupo de convivência.
Por que preciso da Natureza ou dos valores religiosos? O mercado é que decide o que cada um tem como identidade. Cada um compõe a sua identidade como se ela fosse um produto, tudo pode ser acoplado. Isso abalou o sentido simbólico e sacramental da experiência religiosa.
Estamos em uma sociedade onde o uso dos conhecimentos não é para todos de um modo igual. O mercado determina a história dos povos. É real a destruição do equilíbrio ecológico, o poder paralelo do tráfico que antes achávamos distantes e no periférico, hoje está dentro de nossas casas. Distâncias deixam de existir, mas as pessoas se isolam em sua realidade, porque o real é virtual. A mestiçagem faz parte da nossa história e vale para todos. Alemão com francês é mestiço. Índio com branco é mestiço. Mas não colocamos a palavra mestiço no censo.
A sociedade se tornou uma torre de Babel. Todos têm acesso à comunicação, mas ninguém fala a mesma língua. Não importa a religião, o que importa é a visibilidade de templos. Como pensar o mundo com toda essa influência? Que esta reflexão esquente a busca de realização neste tempo em que nos é dado viver nesta Casa Maravilhosa que Deus nos deu.
Texto originalmente publicado pela USF- FREI VITORIO MAZZUCO FILHO
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