Reflexões em torno do Sagrado Feminino - 5

Onde surgiu em nós nobres atitudes, esmerados costumes, raízes religiosas e as primeiras preces? Certamente, em nossa mãe. Junto com Deus, a mãe moldou em nós a essência do sagrado. Deus nos deu alma, a mãe nos deu hábitos humanos onde a alma se manifesta. A alma tem a substância divina, o corpo tem a substância materna. A mãe é a expressão mais visível do sagrado feminino. O próprio Deus moldou para si a Mãe da Encarnação.

A palavra mãe vem do sânscrito, base de todas as línguas, em sânscrito mãe é matri. Desta raiz vieram mater, mother, mutter, madre, mamã, mamá, mère, mati, mainha, mãezinha e tantos modos de dizer a nossa sempre lembrada genitora. A palavra soa como a prática de beber na fonte do leite materno, lábios dançando e sugando a primitiva sobrevivência; amar é mamar. Nascemos da carne e sangue da mãe, e ela foi a nossa primeira aproximação da intimidade divina. O sagrado se fez mais perto de nós através de sua constante presença. Se para muitos Deus é impessoal, para quem cultua a força maternal ela é a visibilidade do Absoluto. Sua presença efetiva e afetiva, as palavras simples, o encorajamento, a inspiração, o toque das mãos, a bendição, o porto seguro, a tranqüilidade, o incansável cuidado, nos permitem a travessia da existência. No sânscrito matri quer dizer medir e avaliar. A medida de mãe é um amor que não se mede e é o nosso parâmetro de valores, o modelo referencial do que entendemos de humano. Seu jeito é pleno de naturais atributos divinos e nos dá o padrão no qual tivemos o nosso aprendizado de amor desprendido, persistente, incansável, paciente, compreensivo terno e materno.

Nações espirituais, culturalmente fortes, criaram para ela uma data, um dia de domingo, festivo e carinhoso, o Dia das Mães. Uma data sagrada. Claro que o mundo mercantilizado e consumista ajeitou o modo de comercializar a ocasião, comprar e vender. Mãe merece todos os nossos presentes, cartões, mensagens, família se reunindo, e um filho ou filha ligando lá de longe; porém, o mais importante é não esquecer o berço onde aprendemos as nossas primeiras lições do Sagrado Feminino. Há algo de espiritual nesta data, algo mágico e místico, atraente e benevolente , emoção e gratidão, uma saudade imensa grudada em nosso coração.

Na vida espiritual, na reflexão filosófica e teológica, nas análises sócio-políticas, ouvimos e lemos mais sobre os homens; porém, a mulher é o húmus fecundo das palavras, a expressão espiritual que desperta o sagrado no humano. Em cada mulher está a mãe reveladora da nossa essência sagrada. Em cada mãe habita a corajosa guardiã de tudo o que é melhor e sublime em nossa vida. As qualidades humanas que ainda existem em nós foram moldadas pelos artesanais conselhos de nossa mãe. Quando caímos no poço fundo e escuro da nossa falsa ética, da nossa imoralidade, dos desenredos dos nossos erros; quando extraviamos a meta e perdemos o caminho; é exatamente nestes momentos, que nas lacrimosas retinas de nosso olhar aparece a figura da nossa mãe. É sempre a mãe que segura os desacertos de nossa estrada e nos coloca na boa condução de nossa existência.

Se um Deus é capaz de dar a vida por amor, há mães que se sacrificam para que seus filhos não morram. O Hinduísmo elevou a mulher à condição de divindade e fez dela uma Deusa. No Judaísmo, Deus falou mais com os homens, porém caminhou corajosamente com as Matriarcas (Judite, Ester, Ruthe ) O Cristianismo mostrou o Divino passando pelo ventre de Maria, a mãe de Jesus, o Filho de Deus que moldou sua força divina durante 30 anos no anônimo lar de Nazaré, junto com sua Mãe. Se olharmos a tradição das religiões existem muito mais mães divinas que pais reveladores do sagrado: Parvati, Kali, Lakshmi, Sarashwasti, Eva, Lilith, Ísis, Íris, Deméter, Afrodite, Vina e tantas outras presentes na fé e nos mitos, as Grandes Mulheres inspiradoras da vida.

A mãe sempre alertou em nós nossas obrigações espirituais. Ela que traçou em nós os sinais religiosos, decorou nosso quarto com o Anjo da Guarda, balbuciou preces, trouxe a oração à mesa, teceu ritos ,difundiu ensinamentos preciosos para a nossa vida interior, mostrou a qualidade da alma, nos levou ao espaço sagrado do templo, fez de nossa casa um santuário.

A mãe mostrou um amor puro, fontal, caseiro e perene. Há nela uma intuição, um sexto sentido que dificilmente falha, sensibilidade, coragem, profecia, capacidade de perdoar na mesma medida de sua capacidade de amar. Na primavera de nossa existência é ninho e flor. No verão é o brilho ensolarado do amor. No outono é a seiva escondida preparando novos e futuros frutos. No inverno é pousada e cobertor, chá e lareira acesa para esquentar o lugar.

A mãe é um modo encarnado onde o Divino fez de nossa vida uma bênção, um colo, uma casa, um abrigo, uma palavra, uma eternidade, uma honra e cuidado, um bem-estar, uma beleza e bondade, uma saudade que sai de nossos poros. De onde estiver, mãe, cubra-nos com sua presença e palavra sagrada! A bênção, mãe!

Sagrado Feminino - arquivo 05

Comentários

Uma vez mais o seu pensamento expresso em palavras ficou "verdadeiro"
Você tem essa capacidade.
Bem haja na Luz Divina que a todos envolve.
M. Auxiliadora disse…
Sinceramente, eu não me canso de ler seus profundos, reflexivos e maravilhosos artigos carregados de muita poesia, arte, teologia, filosofia e espiritualidade. Faço minhas as suas palavras ao falar da MULHER como mãe geradora da vida- "Em cada mulher está a mãe reveladora da nossa essência sagrada. Em cada mãe habita a corajosa guardiã de tudo o que é melhor e sublime em nossa vida. As qualidades humanas que ainda existem em nós foram moldadas pelos artesanais conselhos de nossa mãe". Encantador esse artigo. Amei! Beijo no seu coração, Dôra
Helen Dayane disse…
meu querido Vitorio, sua alma de poeta me acompanha. Seus textos belissimos ensina e compreender melhor a vida. parabens.

Helen Dayane Alencar