FRANCISCO DE ASSIS E O SULTÃO - 5



É POSSÍVEL ENCONTRAR-SE EM MEIO A DESACORDOS DE ORDEM MORAL E RELIGIOSA

Outra grande barreira que Francisco venceu em sua vida e que o preparou para este encontro com o Sultão, foi quando andando pelos bosques nas redondezas de Assis, cantando algumas canções em língua francesa, entrou num espaço onde moravam alguns que viviam da bandidagem. Tendo o seu território invadido dois deles atacaram Francisco. Vendo que não tinham nada para roubar, o jogaram num fosso com certa violência. Era inverno e o fosso estava cheio de neve. Francisco levantou-se do lugar onde fora jogado e continuou seu caminho cantando com alegria os louvores ao Deus criador de todas as coisas (LM II,5).

No caminho para Damieta, no Egito, certamente não faltaram obstáculos. Francisco não sofreu nenhuma violência física, mas certamente os obstáculos das incompreensões e de dúvidas pairavam sobre a sua empreitada. Nas dificuldades, ele sempre manteve a serenidade dos que cantam com alegria. A postura da calma e o total despojamento evitam maiores agressões. Francisco nos ensina que em certos momentos onde nos jogam no fundo do poço é preciso sacudir a neve, isto é, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Muitos pensaram que ele não voltaria vivo do encontro com o Sultão, mas ele foi para lá sem ter nenhum instrumento de agressão e foi muito bem recebido.

Outro episódio na vida de Francisco narrado na Legenda Perusina, 90, nos mostra a vida no Eremitério de San Sepolcro, e que algumas vezes, alguns malfeitores que moravam ao redor vinham pedir pão aos frades que ali viviam. Alguns destes assaltavam os que passavam os que passavam pela estrada; saiam da floresta onde estavam escondidos e depredavam os viandantes. Sabendo disso alguns frades se revoltavam com a atitude deles e negavam esmola ou comida quando eles vinham pedir. Ladrões que fazem mal às pessoas não merecem a caridade. Assim pensavam alguns frades; outros movidos pela compaixão, davam o pão junto com a exortação de que eles deviam converter-se e fazer penitência. De vez em quando, Francisco vinha ao eremitério e certo dia os frades expuseram o problema e perguntaram a Francisco se deviam dar o pão ou não. Para a surpresa de todos, Francisco pediu que fossem procurar o melhor pão e o melhor vinho, que fossem ao bosque, chamasse por ele, estendessem uma toalha no chão e pusessem a mesa convidando que os malfeitores viessem comer com eles. Francisco pediu que confiassem no Senhor e nas suas palavras para ganhar aquelas almas. E assim os frades fizeram servindo-os com humildade e alegria. Depois de comerem juntos anunciaram a eles a Palavra do Senhor e falaram do Amor de Deus, e que não deviam fazer o mal a ninguém.

Francisco, com este fato nos ensina que é fácil condenar ou julgar alguém, difícil é sentar com a pessoa e alimentá-la de verdades. Estou cansado de ver as críticas que são feitas aos que defendem direitos que o outro tem para mudar. Ouvi de uma pessoa, que é do nosso mundo franciscano, uma afirmação: “Se eu fosse policial e prendesse um ladrão, ele não chegaria na delegacia vivo para cumprir a sua pena”. Parece loucura o que Francisco pediu aos frades, mas será que não existe um fiozinho de esperança de que alguém possa mudar? Para Francisco, os muros do ódio e da violência podem ser trocados por uma mesa posta no chão de um lugar inusitado em situações inusitadas. É paradoxal que os frades, no episódio descrito na Legenda Perusina, chamaram os “irmãos ladrões” para uma ceia e ali mostraram o que eles deviam fazer para mudar. Eles não amenizaram a culpa dos ladrões, apenas deram a eles a oportunidade de ouvir algo que não tinha a violência costumeira das relações tensas. 

O encontro de Francisco e o Sultão nos mostram isso de um modo muito nítido. É possível uma gentil convivialidade em meio as tensões da guerra. É possível encontrar-se em meio a desacordos de ordem moral e religiosa. Ideologias afastam do convívio. Mais do que mudar a vida dos ladrões, Francisco estava interessado em mudar a vida de seus frades. O Sultão mudou a ideia de que um cristão não voltaria vivo para os seus e dialogou e ceou com Francisco sob uma tenda, mudou alguns conceitos. Francisco e o Sultão não evitaram a batalha da 5ª Cruzada, mas alguma coisa ficou na história de um modo bom, que nos permite oito séculos depois estarmos comemorando este fato.

Imagem do filme "Francisco e o Sultão"

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO

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