São Luís de França e os Franciscanos - XIII
Frei Sandro Roberto da
Costa, ofm
3.
O franciscanismo reformador de Luís de França
A proximidade de Luís com os
franciscanos e dominicanos é-nos atestada por uma anedota, transmitida por seus
biógrafos: “Godofredo de
Beaulieu e Saint-Pathus afirmam que Luís quisera fazer-se dominicano ou
franciscano, mas não soube decidir-se sobre as duas ordens, e a rainha
Margarida (sua esposa) à qual teria manifestado a sua intenção de deixá-la para
entrar no convento na altura em que fosse possível transmitir a coroa ao filho
maior, tê-lo-ia dissuadido de tal propósito”[40].
Embora contestado pelos historiadores modernos, este fato, relatado pelos
biógrafos contemporâneos ao santo testemunham a proximidade de Luís, senão a
simpatia de que gozavam diante dele os franciscanos e dominicanos. Mais séria é, no entanto, a afirmação de que ele
teria desejado que seu segundo e terceiro filhos se tornassem frades, um
dominicano, outro franciscano[41]. Por outro lado, como já acenamos, os biógrafos são
concordes sobre a crítica que se fazia no reino, à imagem de um rei manipulado
pelos mendicantes, sendo ele mesmo, quase um frade sobre o trono.
O pesquisador Jean-Philippe Genet afirma que os dominicanos exerceram uma
influência fundamental sobre o pensamento político de São Luís. A ideia de um
rei como padrão de comportamento moral, um rei com a virtude da sabedoria,
teria sido construída e seguida por Luís, seguindo os ditames dos sábios
teólogos e filósofos dominicanos que dominavam a universidade de Paris, nos
anos 1250-1280[42].
Apesar de Le Goff afirmar que as elocubrações
filosófico-teológicas que fervilhavam na universidade de Paris não interessavam
a Luís, o fato é que Luís se cercou de grandes nomes da intelectualidade de seu
tempo, pensadores, filósofos e teólogos, principalmente franciscanos e
dominicanos, que colaboraram na administração e ajudaram a dar uma determinada
direção política ao reino. Le Goff afirma que havia em Paris “uma
‘academia política’ de São Luís cujo coração era o convento dos jacobinos, o
célebre convento de Saint-Jacques dos dominicanos parisienses”[43].
Vicente de Beauvais, dominicano, autor do Speculum
Maius, a principal enciclopédia utilizada na Idade Média, era um de seus
mais próximos colaboradores[44].
Podemos afirmar que dominicanos e
franciscanos rivalizavam no papel de conselheiros do rei. Da parte dos
franciscanos, porém, graças às pesquisas dos últimos anos, sabemos que Luís
tinha um apreço particular pelos frades empenhados numa vivência mais radical
dos ditames do Evangelho, que chegavam quase a se constituir uma “seita” dentro
da Ordem franciscana. Referimo-nos, aqui, à proximidade de Luís com o movimento
dos “Espirituais”[45]. E nesse particular, um encontro vai causar
profunda impressão no rei da França.
[40] Le
Goff, Jacques, O Maravilhoso..., oc, p. 79.
[41] Seu sobrinho, Luís de Toulose,
vai se tornar franciscano e bispo, e também vai se canonizado.
[42] O autor chega a afirmar que Le Goff teria privilegiado, através de
Gilberto de Tournai, o São Luís dos franciscanos, em detrimento do São Luís
dominicano In: Genet,
Jean-Philippe. Saint Louis: le roi
politique, In: Médiévales, N°34, 1998. pp. 25-34. doi : 10.3406/medi.1998.1410.
http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/medi_0751-2708_1998_num_17_34_1410
[43] Le
Goff, Jacques, Uma longa Idade Média,
o.c., 226.
[44] “...foi também o
compilador de um amplo tratado filosófico-teológico (Speculum
doctrinale) em que são
discutidos os temas relativos ao poder, ao governo, ao ministério régio, sua
função natural e sobrenatural, a constituição mesma de uma comunidade política
e sua necessidade. Além de teorizar sobre a política, Vicente também procurou
educar os governantes, no sentido de ensinar a arte do governo: devem-se a ele
duas das principais obras do século XIII sobre essa matéria”. Miatello, A. L. Pereira, O rei e o reino sob o olhar do
pregador: Vicente de Beauvais e a realeza no século XIII, Revista Brasileira de História, vol. 32, nº 63, p.
227. Uma dessas obras é o De Morali principis institutione, escrita em 1247, a pedido da rainha Margarida,
para a educação de seus filhos. Roberto de Sourbonne, fundador do
Colégio (depois Universidade) de Sorbonne, era outro clérigo muito próximo de
Luís.
[45] Os “Espirituais” surgiram na
Ordem franciscana logo após a morte de Francisco, em oposição ao que consideravam
desvios na proposta original de vida do fundador. Sinteticamente, seu programa
tinha quatro pontos: atacavam os abusos contra a pobreza, eram contra os
estudos, defendiam que a Regra e o Testamento eram obrigatórios para toda a
Ordem, eram contra os privilégios pontifícios. São chamados espirituais porque assumiram as
doutrinas do abade Joaquim de Fiore, morto em 1202 (por isso também
“joaquimitas”), que dividia a história do mundo em três eras: a do Pai, a do
Filho e a do Espírito Santo. Os frades fiéis (segundo os Espirituais) aos
propósitos originais de Francisco, fiéis à pobreza e à simplicidade, iriam
inaugurar a era do Espírito: por isso, Espirituais.
Com o tempo o grupo se amplia, constituindo um verdadeiro partido rigorista, de
reforma e de radicalidade dentro da Ordem, suspeito de heresia.
Continua
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