A RIQUEZA DA ICONOGRAFIA FRANCISCANA – 9



O ESPELHO DE CLARA

A simbologia do espelho já estava presente na mística do século XIII como uma fusão de vida com Jesus Cristo. Olhar-se é transformar-se Nele e nas suas virtudes. A alma representa a totalidade do humano e é o espelho da sua transcendência. Vida e exemplo de vida são espelhos modeladores de uma identidade. No século XII havia a espiritualidade do Speculum Virginum, uma convocação para mulheres consagradas para serem esposas de Cristo. Na literatura mística, o espelho é a metáfora da alma privilegiada que vive a proximidade com o sagrado em busca da perfeição, num exercício de anulação de si e unificação com o divino. Deus é a única imagem que deve transparecer naquele ou naquela que desparece Nele. É um caminho e êxtase unitivo presente na vida, obra e prática de místicas medievais como Hildegard de Bingen e Matilde de Magdeburg. São Boaventura e São João da Cruz também têm reflexões nesta linha de pensamento. A pessoa mística se espelha na beleza de Deus e se dissolve nesta beleza. A imagem da divindade é refletida na pessoa e esta, por sua vez remete ao Altíssimo.

Clara de Assis se insere neste pensamento místico por destacar na divindade de Cristo a força transparente da sua humanidade, e que Cristo é o reflexo do Pai e do Espírito Santo. Para Clara estar diante do espelho é estar diante de um esponsal: casar com a visibilidade do Amado que se revela em sua encarnação, cruz e glória. O espelho brilha em pobreza, humildade e caridade. Olhar-se no espelho é uma contemplação, uma comunhão de vidas no amor, uma fusão de virtudes, sentimentos e desejos (cf. Di Muro Raffaele, La mística di Santa Chiara Dimensioni e Attualità, Casa Editrice Miscellanea Francescana, Roma, 2012).

Diz Delir Brunelli: “A maioria dos padres da Igreja e autores medievais usa a simbologia do espelho para falar do conhecimento. É o que indica o próprio termo “speculatio” que lhe é derivado. Clara não desconhece este sentido, mas privilegia a exemplaridade e, sobretudo, a comunhão. Seus espelhos são pessoas: Jesus Cristo, Inês de Praga, a própria Clara e suas Irmãs presentes e futuras. A simbologia é usada para expressar uma relação amorosa, para falar de encontro, de identificação, de seguimento, de testemunho. Não se destaca a razão, mas o coração, os olhos, o desejo. Por isso mesmo, o espelho clariano é mais do que um símbolo: é sacramento de uma presença. Realiza o encontro, transforma, irradia (Brunelli Delir, Ele se fez Caminho e Espelho – O seguimento de Jesus Cristo em Clara de Assis, Vozes-CFFB, Petrópolis, 1998).

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO

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