ECOTEOLOGIA- PARTE 7-UNIDADE 3: ESPIRITUALIDADE RESPONSÁVEL EM FACE À DEGRADAÇÃO DA NATUREZA
INTRODUÇÃO
Espiritualidade é olhar a vida com os olhos do espírito,
é sensibilidade e percepção, sentir e amar, por isso não se pode tratar a
questão ecológica sem o filtro da intuição, inspiração e revelação espiritual.
Os ritos de todas as religiões estão repletos de sinais, símbolos e elementos
da natureza. A espiritualidade não se contrapõe a materialidade, mas busca
sempre a verdade e o sentido de todas as coisas fazendo com que elas tenham
comunhão e fraternidade. É perceber, assim, que Deus é maravilhoso em suas obras
e que a beleza detalhada da criação mostra para nós a existência do Criador. A linguagem
espiritual não pode ser só acadêmica e técnica, mas uma linguagem que comunique
a graça da vida e o estar imerso nela.
Espiritualidade é unir busca espiritual com a busca do
sentido da existência nesta Casa Comum: o mundo. Nele há uma oferta intensa da
beleza do natural e da intensidade do material como caminho de realização, mas,
se não equilibramos tal oferta, a alma sente o vazio de não estar saciada. A
espiritualidade hoje está em referência a mentalidade e práticas que dão
sentido e ultrapassam o mundo das coisas e dos fatos, e inclui temas como o
ser, a natureza, o vazio existencial que precisa ser preenchido, a evolução, as
redes sociais e as grandes questões atuais.
Trazendo uma releitura da fala do teólogo Hans Urs Von
Balthasar, a Espiritualidade: “é uma postura fundamental, prática e existencial
de compreensão de existir, ou de forma mais geral, com suas decisões mais
profundas”. Assim, para entender o que seria decisões mais profundas vamos à
raiz da palavra Espiritualidade. Ver onde ela comporta uma experiência
corporal, física e existencial e vinculada aos elementos da natureza.
Espiritualidade vem do Grego “Pneuma”, do Hebraico
“Ruach”, do Latim “Spiritus”. Pneuma é sopro, vento, ar
que preenche, alento, presença, suporte. O que anima, o que dá fôlego, é o “pneumatikós”.
Do que eu estou cheio? É o que sustenta uma vida, uma busca, um projeto, uma
instituição, uma fundamentação.
Ruach é vento,
ar, hálito vital, sopro, corrente de ar, sopro bafejante de todo organismo vivente.
Uma presença sentida de maneira dinâmica como uma força que coloca em movimento,
tanto interior como exteriormente, como algo que cria a realidade e chama a
existência. É o hálito de vida que atravessa o ser humano e que ele expira
finalmente ao morrer (o último suspiro). Este sopro e alento é a energia vital
de tudo o que existe, como sopro de Javé, que pairava sobre as águas
primordiais gerando a vida. Ruach significa força, vida, persistência,
espírito, fôlego longo.
Spiritus é a
palavra latina que evoca novamente o aspecto físico e corpóreo: sopro ritmado da
respiração. Significa a alma, a vontade, o entusiasmo e animação. É a parte inspiracional
do ser humano. Inspirar, expirar e transpirar. É sentir, escutar o ritmo do próprio
sopro. Sentir o que está dentro. É sentir a entidade sobrenatural, a força de Deus
que nos anima.
O spiritus movimenta, alegra, esquenta e anima o corpo e todo o ser da pessoa. Produz fogo, calor, luz e energia. É uma substância que tem tanta energia e força no seu interior que pode até explodir. Espírito tem a ver com energia e fogo interior. A Espiritualidade tem a ver com uma respiração, um alento que vem de dentro, um fogo e um calor, uma força que brota, salta para fora, e sustenta o íntimo da pessoa e revela uma força espiritual da pessoa espiritual.
A Espiritualidade não tem nada a ver com visões românticas ou idílicas que associam o espiritual com a ausência total de conflito, de tensão e de luta, como geralmente se pensa.
Quando as pessoas querem ter Espiritualidade, elas buscam a raiz da existência, da qual raiz brotam para o alto. São pessoas que querem ser suportadas, carregadas, alimentadas por uma raiz que está plantada no fundo do chão. Vive perto da raiz, se alimenta dela, que toma as coisas pela raiz, isso é, vai aos fundamentos. A Espiritualidade não vem apenas do alto, mas de estar firme e profundamente no chão, enraizado na terra e na realidade. É radicalidade.
Quando dizemos que homens e mulheres espirituais costumam ser radicais, queremos mencionar, em primeiro lugar, essa proximidade da terra e do húmus, esse enraizamento profundo que alimenta uma vida, que sustenta o tronco e a copa da árvore, em todo e qualquer tempo, dando-lhe firmeza e consistência. Espiritualidade é uma oposição ao superficial e ao descartável, o que não é profundo. As pessoas que se mantem próximas do chão, sentem a terra e vão a raiz, conseguem manter a simplicidade e a humildade. São pessoas que sabem do húmus, e sabem que toda vida vem da interioridade.
São Francisco era uma pessoa que viveu e sentiu-se intimamente ligado à mãe terra. Antes de sua morte, quis ser depositado nu sobre a terra nua. Esta é a razão da humildade, todos vêm da mesma mãe, são alimentados por ela e a ela retornam. Uma pessoa espiritual vive da força que vem das raízes. Pessoas espirituais procuram respirar o mesmo sopro.
Respirar corretamente, cada vez de forma integral, atenta
e concentrada, a partir do âmago, da profundidade, de maneira natural e leve,
humilde e sem espalhafato. Quem respira bem consegue caminhar mais longe, ir
mais adiante, não desanima, não esmorece. Espiritualidade significa não perder
o fogo interior em qualquer circunstância da vida.
A Espiritualidade precisa ser cultivada. Há uma cultura
espiritual (kelt, cult). Cultivar significa trabalhar a terra, trabalhar
o natural e transformar. Tratar com cuidados as sementes, cuidar da plantação,
fazer crescer, melhorar, aperfeiçoar, regar, levar algo a condição de melhor.
Ajudar a frutificar. Espiritualidade é, também, cultivar e cuidar da respiração
interior do seu ser com o mesmo cuidado que tem o camponês quando trabalha a
terra. A pessoa espiritual é alguém que exercitou tão bem a arte e o alento do
espírito, que mesmo nas situações mais difíceis da vida e do caminho, ela não
perde o fôlego, não perde a consistência. Dessa forma, a Espiritualidade também
exige que cada um proteja a sua chama interior, o seu calor, e não a deixe
apagar por qualquer motivo ou situação banal.
A Espiritualidade está aberta a qualquer pessoa em
qualquer tempo da história. As diferentes espiritualidades, quando autênticas, são
traduções espirituais profundas da experiência do Sopro. A busca da
Espiritualidade vem de baixo, das raízes do humano, ela salta das profundezas
da alma humana, não vem de cima, do além ou como se fora apenas um enfeite que
se coloca de fora e do exterior da vida das pessoas.
Quando nós respiramos profundamente o ar fresco, cheio de
oxigênio, que penetra até as mais pequenas células do nosso peito e as revigora
a partir de dentro. Assim, a pessoa imbuída de espiritualidade, a cada minuto,
faz acontecer a respiração. Uma respiração leve, sem ser notada, questionada ou
recompensada, acontece simplesmente porque está ali, no ritmo do próprio ser,
na respiração da alma. Se o espírito não recebe o ar que necessita, ele sufoca,
morre. Sufocar o espírito é desumanizar.
Espiritualidade é afinar os olhos e o espírito para ver
céu e terra como um lugar sagrado, como a nossa Casa Comum, Comunidade de Vida
e onde podemos celebrar. Temos, então, que:
a) Aprender da
sabedoria da Criação, suas leis, para poder viver em harmonia. Não se trata de
domar a natureza, trata-se de estabelecer uma nova aliança, baseada no respeito
e na admiração. Trata-se de se entender os falares da Terra, alfabetizar-nos ecologicamente
para entender a estrutura e a dinâmica dos ecossistemas e os processos que
facilitam ou dificultam a sustentabilidade da vida. b) Aprender a conviver
dentro do oikos. Nosso futuro comum,
parte de um passado e de um presente, que tem uma casa comum. A mudança
climática não nos pergunta se somos cristãos, muçulmanos ou hinduístas, não
escolhe gênero, ne raça, idade ou ideologia. O que existe é um presente comum e
uma tarefa conjunta a ser assumida. Trata-se de construir a unidade a partir da
diversidade da vida. (MURAD, 2016, p. 111)
Texto originalmente publicado pela USF- FREI VITORIO MAZZUCO FILHO
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