ECOTEOLOGIA PARTE 4 - CUIDADO DA CRIAÇÃO E PREOCUPAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS


 INTRODUÇÃO

O tema desta Unidade faz parte de um novo paradigma com relação à vida e à natureza. Nós temos a responsabilidade de fazer a nossa parte no cuidado para com a nossa Casa Comum, pois recebemos gratuitamente a obra sagrada de Deus como herança e como um bem para as nossas vidas. Como retribuir? Como estamos em um curso de ecoteologia, o que buscamos é motivar, sob o olhar espiritual, todas as experiências já feitas, de um modo prático ou conceitual, relacionando com a experiência religiosa-espiritual.

 As questões do cuidado da Criação e as preocupações socioambientais têm movimentado o mundo. Antes, era iniciativa de um pequeno grupo de militantes, depois, foi abraçado por grandes cientistas, pesquisadores e especialistas das mais diversas áreas e, hoje, é um grande movimento ecológico. Não vamos esgotar aqui o tema, mas esta unidade tem a função de ser uma introdução à causa socioambiental, de maneira a propiciar a conscientização e instigar a participação desta enorme e ampla rede de pessoas, de grupos, de várias organizações, que lutam para a melhoria da vida em nossa terra tão desgastada, abusada e ferida. O tema, embora seja um novo paradigma, traz a contribuição de muitas tradições que nos educaram para uma sensibilidade ecológica, como vimos na primeira unidade. Tudo se transforma num grande, atual e urgente compromisso para garantir a qualidade da vida e o futuro do nosso planeta.

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Com o intuito de ilustrar este momento da reflexão e paradigma, deixamos a indicação da Canção “O Sal da Terra”, composta por Beto Guedes e Ronaldo Bastos, em 1981, que você pode conferir com a interpretação de Beto Guedes no link a seguir.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VHPf5qH785s. Acesso em: 02 ago. 2021.

 1. CUIDADO DA CRIAÇÃO E PREOCUPAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS

 Os pontos que compõem esta unidade estão totalmente baseados na Carta Encíclica do Papa Francisco Laudato Sì, sobre o cuidado da casa comum. Toda casa é o lugar nascente e emergente da nossa existência. Entender a Terra como nossa casa é ter para com ela cuidados maternais, paternais e fraternais. Não podemos apenas usar de um modo irresponsável os seus bens gratuitamente a nós oferecidos, mas temos que administrá-los, sem saques, dominação e abusos.

A nossa identidade original vem de sermos feitos do barro movimentado com o sopro de vida do Criador (cf.Gn 2,7). Assim, se o ser humano se descontrola em suas atividades, ele causa a destruição desenfreada da matéria prima que está na natureza.

Criamos uma evoluída e tecnológica cultura industrial que, com toda a sua força de produção, pode voltar-se contra o ser humano e a natureza.

O consumo imediato coloca a vida em risco, porque tudo é uma cadeia natural de ligações mútuas em sistemas ordenados, a destruição de um pode gerar a morte de outros. A amplidão da natureza está ligada de um modo muito especial à convivência humana.

Onde nós mesmos somos a última instância, onde o conjunto é simplesmente nossa propriedade e onde o consumismo somente para nós mesmos. E o desperdício da criação começa onde já não reconhecemos qualquer instância acima de nós, mas vemo-nos unicamente a nós mesmos (BENTO XVI, 2008, [n. p.]).

 Líderes religiosos, cientistas, organizações sociais, filósofos, teólogos e os papas; dentro e fora das Igrejas fazem apelos proféticos, reflexões e inúmeros documentos para evitar que se desfigure o ambiente. O Patriarca Ecumênico Bartolomeu defende que, 

[q]uando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus; quando os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática, desnudando a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas úmidas, quando os seres humanos contaminam as águas, o solo, o ar...tudo isso é pecado [...] um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus. (BARTHOLOMEW, 2012, [n. p.])

 1.1 POLUIÇÃO E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

 Desde o ano de 1984, relatórios oficiais, sobretudo os vindos da Organização das Nações Unidas (ONU), como a Avaliação Ecossistêmica do Milênio (2001-2005), e outros tantos relatórios, mostram o estado do planeta Terra, sobretudo os sistemas de sustentação da vida: água, ar puro, solos, alimentos, controle climático. Todos estão num processo de degradação. A poluição afeta os seres humanos e todos os seres vivos, e isto não apenas em momentos de catástrofe, mas em todos os momentos da vida diária. A saúde é comprometida pela inalação dos gases dos combustíveis usados nas máquinas, dos meios de locomoção, da cozinha e do sistema de calefação. E temos que lembrar as chaminés das indústrias, a descarga de resíduos tóxicos nos solos, bem como fertilizantes, inseticidas, adubos não orgânicos. 

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 Para conhecer um pouco mais a respeito do relatório da ONU mencionado acima, visite o

resumo feito por Antonio Gonçalves sobre o Relatório de Avaliação Ecossistêmica do Milênio:

 GONÇALVES, Antonio Gabriel Cerqueira. Resumo do Milliennium Ecosystem Assessment

(Avaliação Ecossistêmica do Milênio – AEM). Diário Verde, 2009.

 Disponível em: http://diariodoverde.com/avaliacao-ecossistemica-do-milenio/. Acesso em: 23 ago. 2021.

 O lixo que se produz, se espalha pelo excesso. Há elementos que não são biodegradáveis que vêm da demolição, da indústria farmacêutica, do lixo hospitalar, dos componentes eletrônicos, dos produtos radioativos. Tudo isso está atrelado à cultura do descarte com baixo aproveitamento para a reciclagem. Não se reutilizam suficientemente papéis e papelões, embalagens e outros itens de consumo.

 Muito especial para a vida humana é o clima, mas preocupa-nos o aquecimento global que mexe com as marés que provocam o assustador crescimento do nível do mar, terremotos e maremotos. Tudo isso vem do efeito estufa, da concentração de gases que impede a natural diluição dos raios solares no espaço atmosférico. A floresta é cortada para criar um outro tipo de atividade agrícola. À vista disso, diminuiu-se a água potável, as calotas polares estão derretendo e há liberação desenfreada de gás metano. Ao mudar-se a cadeia alimentar, os ecossistemas são alterados.

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Indicamos a leitura do artigo de Hans Joachim Schellnhuber intitulado “Uma base comum – A

encíclica papal, a ciência e a preservação do planeta Terra”, que foi publicado na Revista do

Instituto Humanistas Unisinos, em 2015.

Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/media/pdf/IHUOnlineEdicao469.pdf.

Acesso em: 11 maio 2021.


IMPORTANTE

Nas palavras do Papa Francisco, é indispensável saber que “[a]s mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios para a humanidade. Provavelmente, os impactos mais sérios recairão, nas próximas décadas, sobre os países em vias de desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares particularmente afetados por fenômenos relacionados com o aquecimento, e os seus meios de subsistência dependem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema como a agricultura, a pesca e os recursos florestais. Não possuem outras disponibilidades econômicas, nem outros recursos que lhes permitam adaptar-se aos impactos climáticos ou enfrentar situações catastróficas, e gozam de reduzido acesso a serviços sociais e de proteção. Por exemplo, as mudanças climáticas dão origem a migrações de animais e vegetais que nem sempre conseguem adaptar-se; e isto, por sua vez, afeta os recursos produtivos dos mais pobres, que são forçados também a emigrar com grande incerteza quanto ao futuro da sua vida e dos seus filhos. É trágico o aumento de emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, que, não sendo reconhecidos como refugiados nas convenções internacionais, carregam o peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa. Infelizmente, verifica-se uma indiferença geral perante estas tragédias, que estão acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo. A falta de reações diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil”. (FRANCISCO, 2015, p. 23)

Na busca de recursos, cresce o ambicioso poder econômico que esconde os problemas e os sintomas de tudo o que acima descrevemos. E o modelo de produção e consumo aumenta sem chegar a uma política de contenção. O que tem sido feito para conter esse modelo? Um passo dado foi a implementação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, um órgão criado pela ONU para avaliar a ciência relacionada à mudança climática. Foi estabelecido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), em 1988, para fornecer avaliações científicas regulares sobre mudanças climáticas, suas implicações e possíveis riscos futuros, bem como para propor adaptação, mitigação e estratégias; tem 195 estados membros. (BRASIL, [s. d.], [n. p.])

 As avaliações do IPCC fornecem aos governos, em todos os níveis, informações científicas que podem ser usadas para desenvolver políticas climáticas. As avaliações do IPCC são um insumo fundamental nas negociações internacionais para combater as mudanças climáticas. Os relatórios do IPCC “[...] são elaborados e revisados em várias etapas, garantindo objetividade e transparência” (BRASIL, [s. d.], [n. p.]). O IPCC avalia e analisa artigos científicos publicados cada ano, identifica os acordos da comunidade científica, mobiliza centenas de cientistas, trata da base da ciência física, analisa os impactos, adaptação e vulnerabilidade, elabora relatórios sobre os oceanos, desertificação, degradação da terra, gestão sustentável da terra, segurança alimentar, fluxos de gases, ecossistemas terrestres, glaciologia (o que as grandes geleiras tem a dizer sobre o nosso planeta).

 Há estudos para a “[...] reconstrução da história do clima e da composição química da atmosfera a partir de amostras de neve e de gelo que acumularam através de milhares e milhares de anos” (SIMÕES, 2014, [n. p.]). Tais estudos são importantes para provar que a degradação do ambiente criou o efeito estufa, como um processo natural de maior emissão de gases do que já existente na natureza.

 Negacionistas do conhecimento científico não acreditam nessas mudanças climáticas e tentam refutar o aquecimento global e o derretimento das calotas polares. Por ignorarem que, se mudamos a química da atmosfera, mudamos o balanço de energia do planeta, há pessoas que mostram um total desconhecimento da ciência chamada paleoclimatologia, que estuda há 200 anos a evolução do clima, e que considera a variabilidade das manchas solares e de processos cósmicos (SIMÕES, 2014, [n. p.]).

Os avanços dos estudos científicos mostram um conjunto de evidências. A ciência tem mostrado com clareza que o aquecimento global é resultante da emissão desenfreada de gases com efeito estufa decorrentes da queima de combustíveis fósseis. Logo, torna-se urgente reduzir essas emissões até reverter o aquecimento. Enquanto isso não acontecer, todos estamos sob risco.

Para entendermos melhor as consequências do aquecimento global, devemos ter em mente que questões básicas, como a distribuição e consumo de energia não chegam a todos da mesma forma. Com isso, grande parcela da nossa população é afeta.

A produção de energia à base de combustíveis fósseis em larga escala que foi iniciada pela Revolução Industrial e acelerada no século XX levou a um grande desenvolvimento humano – para uma minoria. Para muito poucos, ela gerou extrema riqueza. Do outro lado desse desenvolvimento se encontram os pobres e os mais pobres dentre os pobres. A violência estrutural desse desenvolvimento predetermina a vida deles. As fontes de energia de combustíveis fósseis são bens privados, de propriedade de empresas ou controlados por governos. Assim, o acesso à energia depende em grande parte dos recursos financeiros do indivíduo. (SCHELLNHUBER, 2015. p. 10)

 Não queremos ser pessimistas, mas a crise ambiental pela qual estamos passando se deve à lentidão na implementação de soluções e à demora em encontrar medidas radicais para combater as mudanças climáticas. A produção sem controle favorece a indiferença dos países ricos que só visam ao crescimento econômico. Industrializar a economia não se constitui um problema. Na verdade, o problema está em não preservar os recursos naturais que cada vez mais vão se esgotando. Mais do que uma questão técnica industrial é uma questão moral, que

[...] exige, portanto, uma tomada de consciência sobre o perigo e uma responsabilidade planetária constituída na solidariedade entre os povos e na cooperação internacional entre os países desenvolvidos e não desenvolvidos, endossando a mesma luta contra a destruição do planeta. (REIS, 2015, p. 32)

Texto originalmente publicado pela USF- FREI VITORIO MAZZUCO FILHO



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