DE JUBILEU EM JUBILEUS – 1

 


De 2023 até 2026 a Ordem Franciscana celebra 800 anos da Regra Bulada, do Presépio de Greccio, dos Estigmas de São Francisco, do Cântico das Criaturas e do Encontro de Francisco com a Irmã Morte. O mundo franciscano vibra e se reinventa em aprofundamentos, afirmações e avaliações de seu modo original. É tempo também de repensar a Identidade deste carisma que tem muito a revelar ao mundo. Antônio Sebastiano Francesco Gramsci, filósofo, historiador e político italiano, escreveu: “Francisco foi um cometa no firmamento católico. Seu movimento foi popular enquanto viveu a recordação do fundador” (Gramsci A. "Lettere dal Carcere", Turim, Einaudi, 1968, p.154). Cometas voltam de anos em anos a criar uma trilha de luz na imensidão do cosmo. O brilho de Francisco se apresenta de jubileu em jubileus, mas é uma contínua estrela cataporando pingos de luz em cada momento onde ele é evocado. Ele é um  humano santo que não sai do dia a dia, atrai grupos pequenos e multidões, famílias de seu frondoso tronco de Regra inspiradora, consagrados e simpatizantes, se ocupam com sua vida, escritos e história; mas sobretudo contemplam as faíscas de luz que ele deixa na história de tantos e tantas.

Há tantas caracterizações de Francisco de Assis; desde o modo como ele veste e faz a investidura do Evangelho em corpo, mente alma e coração; as marcas profundas da cristificação de sua vida, o jeito fraterno de relacionar-se com todos e com tudo, a iniciativa de agregar humanos e criaturas e antecipar por oito séculos a Laudato Sì; ele que começou colocando o Papa Inocêncio III para elucidar sonhos de reconstrução, até concretizar novamente a cristianização do catolicismo com um Papa que adotou seu modo de ser e seu nome, o Papa Francisco. E num mundo de poder e dominação é o profeta do ethos identificado com o ser menor, que é resguardar a dignidade da pessoa humana, do pobre, das aves e plantas, passando pelo senso crítico de um valor cultural e hagiográfico em todos os níveis. É o humano santo das Legendas, Escritos, Biografias, Teses e Literatura, Musicais e Filmes. Romantizado, seguido, amado e nem sempre bem compreendido, enche de admiração todos os que buscam uma senda espiritual.

Francisco de Assis passa a ser a referência relevante desde os primórdios do século XIII até hoje, de uma fidelidade, cheia de mística, poesia e obras escritas, do que vem a ser uma teocracia curial, uma hegemonia eclesiástica, um questionamento social e até uma certa ruptura com isto tudo para seguir uma única inspiração: a casa que está em ruínas tem que ser reerguida. Ele não embarca no sistema produtivo de acumulação e riqueza, mas vive a pobreza como uma profecia de despojamento de bens para não se corromper em privilégios. Ele abalou o civil e o clerical, ele refez a utopia do Evangelho para que se tornasse realidade aquela frase provocativa de uma oração eucarística que diz: “Dai  força para construirmos juntos o vosso Reino que também é nosso”. Colocado nas cátedras, aulas e simpósios de teologia e filosofia, entra na ecologia e antropologia, e até suscita uma cosmovisão franciscana, mais vivida entre os buscadores da verdade do que pelos seus próprios Irmãos Menores. Mas é um pilar de fé, religiosidade popular, movimentos, ordens, institutos e congregações, novas formas de vida e patrono de pluralidades culturais, religiosas e de gênero. É um luzeiro para povos que sonham uma cultura de paz. Há um Francisco de Assis primordial e atual que precisa ser honestamente pensado. De 1209 a 1221 e de 1223 até 2023 ele faz muita gente debruçar sobre suas Regras não aprovadas e até Bulada, porque um visionário precisa ser controlado pelo jurídico-canônico e ser abençoado oficialmente para mostrar que o seu caminho não tem volta, com exigências canônicas ou sem elas; porque ele escolheu o Evangelho que não foi derrotado nem por um calvário sobre um monte chamado Gólgota.

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO FILHO

Imagem ilustrativa: Piero Casentini

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