ALGUNS POSICIONAMENTOS DOS GRUPOS DE PENITENTES - 8


Reforço mais uma vez a necessidade da leitura do livro “São Francisco de Assis e a Ordem Terceira – O Movimento Penitencial Pré-Franciscano e Franciscano, de Raffaele Pazzelli, Editora Mensageiro de Santo Antônio, Santo André, SP, 2009, traduzido para o português por Frei José Carlos Pedroso, OFMCap. Esta obra é fundamental para a compreensão das raízes penitenciais do franciscanismo. Tive a graça de fazer este curso com o autor, Raffaele Pazzelli, em Roma, e em suas aulas e livro, que era o manual do Curso, que me fundamento para esta série de reflexão.

Os Movimentos Penitenciais originários não tiveram na Igreja Católica uma liderança segura e capaz de compreendê-los e conduzi-los. Queriam uma vida cristã mais simples, mais penitente e não viam certezas nos líderes católicos. Eles não queriam ser uma massa, mas sim pequenos grupos ou fraternidades, morando junto ou não, mas com um propositum vitae; querem compromissos ou promessas como uma professio, isto é, uma expressão pública de seus propósitos. Assumem uma roupa pobre e despojada para oporem-se à ostentação das vestes que designavam a separação de classes. A veste diz respeito à vida que professam: vida de pobreza. Solteiros e casados podiam entrar nestes grupos. Os casados devem viver o matrimônio e os solteiros fazem uma promessa de continência, por isso, alguns grupos são chamados de ordo continentium. Apresentam também características das confrarias vindas das Ordens Cavaleirescas, que tinham a castidade para os solteiros e a obediência como ponto fundamental.

Eram muito associativos e começam a gerar uma terceira realidade, daí pode vir a expressão Ordem Terceira. Doavam seus bens doando-se a si mesmos, realizando assim o estado ideal penitencial dos primeiros cristãos. Falaremos mais adiante dos Begardos ou Beguinas que seguiram de perto a inspiração da Terceira Regra ou Terceira Ordem do grupo dos Penitentes do Bem Aventurado Francisco.

A atmosfera espiritual dos séculos XII e XIII não é simples de explicar ou definir, mas tem a força da Penitência ou Vida Penitencial como expressão. É sentir a falta de Deus e buscar Deus radicalmente, numa relação de presença, fala e escuta. É colocar-se em Deus, ser em Deus para dar um significado para toda a vida, como reconhecimento e encontro. Ter este Deus e mais nada. “O itinerário do homem medieval não é um itinerário apenas para chegar a Deus (...). O homem da penitência é firme, e já está diante de Deus, é peregrino de uma “ordem de peregrinos”, é penitente numa “ordem de penitentes”, é flagelante numa “confraria de flagelantes”; pertence a um estado de vida (...) que não quer senão uma progressão, uma transformação, alcançar cada vez mais certo, convicto e profundo do seu estado de penitente e peregrino. Em outras palavras, trata-se de uma atitude verdadeira e própria diante da vida, de um modus vivendi cultural, que tem profundas raízes psicológicas e religiosas, mas que se revela também e acima de tudo como uma visão total do próprio modo de ser, que se expressa culturalmente em complexas e articuladas instituições históricas e sociais” (Magli, Ida – Gli uomini della Penitenza. Lineamenti antropologici del medievo italiano, Cappelli, Bologna, 1967).

O fato é que este Movimento Penitencial traz a força da Metanoia como penitência e conversão, que tinha sido esquecido pela cristandade. Da expressão corporal para uma expressão cultural e cultual. É nesta atmosfera que se move Francisco de Assis. Como ele conseguiu absorver este tempo sem ser considerado um herege é o que veremos a seguir. Como ele se tornou um verdadeiro Mestre da Penitência e uma incontestável expressão da Pobreza.

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO

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