ECOTEOLOGIA Parte 13- UNIDADE 4: A ECOLOGIA INTEGRAL E A ECOTEOLOGIA - 1. A INSPIRAÇÃO DE FRANCISCO DE ASSIS

 

INTRODUÇÃO

O mundo da espiritualidade é inesgotável e abraça a nossa dimensão de corpo, com o qual nos enraizamos e andamos para ter contato com tudo o que existe em nosso planeta terra e em todo o universo. Não basta só cuidar do corpo físico, é preciso cuidar da totalidade do ser humano, corpo, mente, espirito.

Quando olhamos as experiências contemporâneas, temos a impressão e a quase certeza de que o ser humano se ocupa mais do corpo físico, pois as academias de ginástica são mais frequentadas do que os templos. Temos também o cuidado da dimensão psicológica através do acompanhamento clínico e terapêutico dos psicólogos que ajudam a equilibrar e a fecundar as forças do humano. Queremos tratar das forças do espírito, pois

[...] temos também o mundo do espirito. É o mundo do profundo em nós, aquela dimensão que nos permite sentir que somos parte de um Todo maior e que nos concede perceber que por detrás de todas as coisas e do inteiro universo há uma Presença, uma Energia poderosa e amorosa que tudo sustenta e confere sentido a cada gesto [...]. Desse profundo irrompem as grandes perguntas: de onde venho? Para onde vou? Qual o sentido da minha passagem por esta Terra? Quem se esconde atrás das estrelas e as sustenta? O que posso esperar depois desta vida? Estas questões nos acompanham ao largo de toda vida. Esse mundo do espirito é feito de amor, de solidariedade, de compaixão, de convivência pacífica com os outros, de beleza e de êxtase diante da grandeza do universo. Se cultivarmos esses valores da vida do espírito, não haveria inimizades, discriminações, nem guerras entre os povos [...] A espiritualidade é uma dimensão de cada ser humano, mesmo de quem não possui nenhuma expressão religiosa, mas busca viver no amor, na solidariedade e na compaixão, especialmente para com aqueles que sofrem. Este é um ser espiritual. Quanto mais espiritual, mais irradia bondade e todos se sentirão bem junto dele. (BOFF, 2017, p. 78-79)

 A ecologia integral e a ecoteologia nos permitem esta experiência: Deus e sua Força que entra em nós com a sua essência em todas as coisas. À vista disso, nesta Unidade faremos um percurso pelo paradigma franciscano, tendo como referência São Francisco de Assis, aceito por todas as experiências religiosas e espirituais como aquele que antecipou a consciência e a prática da fraternidade universal e do universalismo fraterno. Temos também que apontar uma espiritualidade que une todas as coisas, todos os seres em um encontro, em uma grande reverência.

Vê-se, pois, como é falsa a afirmação de alguns, de que era indiferente para as verdades da fé o que se pensasse a respeito das criaturas, contanto que se pensasse retamente sobre Deus, como nos relata Agostinho (IV Sobre a Alma e sua Origem 4; PL 44, 527). O erro acerca das criaturas redunda em falsa ideia de Deus e, ao submeter as mentes humanas a quaisquer outras coisas, afasta-as de Deus, para quem a fé as quer encaminhar. (TOMÁS DE AQUINO II, III, 5 869)

1. A INSPIRAÇÃO DE FRANCISCO DE ASSIS

Francisco de Assis que viveu entre 1182 e 1226, no século XIII, é inspirador de um novo modo de viver, uma nova forma de vida a partir da Boa Nova, o Evangelho. Por buscar a novidade do Evangelho, não está satisfeito, nem se identifica com os valores de sua época e da sociedade onde vive em Assis, na Itália.

Por ter um ideal grandioso, Francisco começa a conviver com o grandioso presente nos detalhes da vida, assim, passa a ser considerado um louco na sua cidade, mas resgata valores adormecidos. Deixa a casa de seu pai, Pedro Bernardone, homem rico e empreendedor, para viver pobre e totalmente despojado de bens materiais, pois havia encontrado a única riqueza que satisfaz o seu coração: o Amor pelo Todo e por tudo e todos.

Francisco de Assis falava de Deus a partir de suas obras. Foi um andarilho pelas estradas e paisagens da Úmbria e aí tem mais sintonia com a obra criada e com o Criador.A espiritualidade que vai se instaurando em seu coração passa pelo filtro da Palavra e da natureza. Em virtude disso, o biógrafo Tomás de Celano descreveu que Francisco

[t]ransbordava em espírito de caridade, tendo entranhas de compaixão não só para com os homens que sofriam necessidade, mas também para com os animais privados de fala e de razão, répteis, pássaros e demais criaturas sensíveis e insensíveis. Mas, entre todas as espécies de animais, amava com especial afeição e mais pronto afeto os cordeirinhos, pelo fato que a humildade de Nosso Senhor Jesus Cristo nas Sagradas Escrituras é frequentemente comparada e mais convenientemente adaptada ao cordeiro. Assim também, abraçava mais carinhosamente e via mais prazerosamente todos aqueles [animais] nos quais principalmente pudesse ser encontrada alguma semelhança alegórica com o Filho de Deus. (1Cel 77)

Diante da criação, ele é um ser maravilhado e agradecido, pleno de louvores e cuidado. Une em sua vida a partilha e a celebração. Ele está imerso na vida e a integra. Quem está plenamente na vida não a destrói. Tem-se assim uma relação pessoal e fraterna com tudo e todos.

SAIBA MAIS

Conheça mais a respeito da vida e da obra de Francisco de Assis, por meio da escrita de São Tomás de Celano, em Primeira Vida (1Cel 80-81), no capítulo 29 – Do amor que, pelo Criador, dedicava a todas as criaturas, e da descrição de sua personalidade e de seu aspecto exterior.

Disponível em: http://centrofranciscano.capuchinhossp.org.br/fontes-leitura?id=- 1843&parent_id=1760. Acesso em: 25 ago. 2021.

 Para Francisco, as criaturas não são coisas, são alguém, ele as personalizava chamando-as de Irmãos e Irmãs e as integrava a Fraternidade com muito afeto. É famosa a passagem que relata, quando ao andar pelos caminhos, tinha um imenso respeito por todos os seres. Não atropelava a vida, mas andava de leve dentro dela:

Tendo pressa de sair deste mundo como de um exílio de peregrinação, este feliz itinerante era auxiliado pelas coisas que estão no mundo (cf. Jo 17,11.16), e realmente não pouco. Usava o mundo como campo de batalha contra os príncipes das trevas (cf. Ef 6,12), mas também o usava, com relação a Deus, como espelho limpidíssimo de sua bondade (Sb 7,26). Em qualquer obra de arte ele exalta o Artífice e atribui ao Criador udo o que descobre nas coisas criadas. Exulta em todas as obras das mãos do Senhor (cf. Sl 91,5; 8,7) e intui, através dos espetáculos do encanta mento, a razão e causa que tudo vivifica. Reconhece nas coisas belas aquele que é o mais Belo; todas as coisas boas (cf. Gn 1,31) lhe clamam: "Quem nos fez (cf. Sl 99,3) é o Melhor". Por meio dos vestígios impressos nas coisas ele segue o amado (cf. Jó 23,11; Ct 5,17) por toda parte e de todas as coisas faz para si uma escada para se chegar ao trono (cf. Jó 23,3) dele. (2Cel 165)

A todas as coisas, Francisco, afetuosa e devotamente, abraça e caminha, com reverência, sobre os chamados irmãos Pedra, a pedra que lhes acolhe os pés em suas jornadas. Por amor e respeito aos animais, proíbe que seus irmãos e irmãs aniquilem o habitat dos animais, e aconselha que, ao invés de retirar, que fossem plantadas outras espécies de árvores, de plantas, flores para que fossem cultivados e admirados por todos. Assim, sob a inspiração de Francisco, temos que viver como ele a relação com a natureza.

IMPORTANTE

São Boaventura aponta que Francisco tinha um amor cómico e vivia em um estado de inocência, como na “[...] ocasião, em Greccio, fora oferecida ao homem de Deus uma pequena lebre viva que, colocada livre no chão, como pudesse fugir para onde quisesse, tendo-a chamado o pai benigno, ela lhe saltou em uma corrida veloz ao regaço. Ele acariciando-a com piedoso afeto do coração, parecia compadecer-se dela como uma mãe e, admoestando-a com doce exortação a que não se deixasse capturar de novo, permitiu que ela partisse livre. E, muitas vezes colocada no chão para se retirar, como ela voltasse sempre ao regaço do pai, como se percebesse com um certo sentido oculto a piedade do coração dele, finalmente, por ordem do pai, ela foi levada pelos irmãos a lugares solitários e mais seguros”. (LM 8, 8s).

O Espelho da Perfeição afirma que Francisco tinha “[...] um entranhado amor às criaturas” (2EP 113). Simpatia e reciprocidade, “[...] as próprias criaturas irracionais conhecem o afeto de piedade e pressentissem o terno amor dele para com elas” (1Cel 59). É a relação humana com a dimensão criatural. José Antônio Merino (2007, p. 13) acentua que Francisco não amava à natureza de modo abstrato, nem tão pouco de maneira anônima, convencional ou impessoal, por isso tratava a todo ser vivente com cortesia, “[...] respeitando sempre a sua própria individualidade, a sua peculiar maneira de ser e o seu privilegiado lugar no cosmos” (MERINO, 2007, p. 13). Assim, ele e se abria, de modo empático todos os seres se abriam para ele em fraterna e singular sintonia.

Texto originalmente publicado pela USF- FREI VITORIO MAZZUCO FILHO



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