DE JUBILEU EM JUBILEUS – 4

 

O movimento franciscano primitivo optou pelo não-ser e o não ter. Não ser nobre e rico de privilégios, porém estar como servos dos leprosos, doentes, mendigos, peregrinos e outros tantos segregados. Não se enquadraram nas prioridades materiais de seu tempo que opunha servo ao senhor do feudo, a burguesia da cidade que aos poucos ia assumindo o sistema mercantil, o feudalismo agrário, a produção artesanal e os enfrentamentos pela hegemonia do poder entre os síndicos da comuna, o papa e o imperador. O franciscanismo ficou fora desta tensão porque quer o não-ter um lugar que gere acúmulo e produção desenfreada. Prefere olhar quem são as categorias sociais da época olhando de perto em que lugar estão as pessoas, por isto se fazem peregrinos. Se não ir onde o povo está, como saber da realidade? Ser um itinerante, um peregrino, um forasteiro é uma base primordial da identidade franciscana. Saem dos limites de Assis e inauguram o “em saída” proclamada hoje pelo Papa Francisco. 

Sonham um novo lugar para a humanidade e este lugar está no serviço desinteressado. Hoje, o movimento perdeu a itinerância porque se queda em paróquias e obras. Mexem com as estruturas do mundo, mas gastam tempo administrando o que emperra ou chora as estatísticas dos muitos que foram se incardinar fora da vida fraterna. O movimento primitivo partiu do não-lugar e do não-ter para um novo ser. Não excluem grandes ou pequenos, desde que a prioridade seja a fraternidade. O ser peregrino também redescobre a dimensão das criaturas. Assim consegue, sem grandes pretensões, tornar-se um fenômeno religioso, cultural e humano. Sabem que não conseguirão transformar de imediato a sociedade da época, mas mostram perfeita alegria ante as portas que se fecham. Não é fácil abrir entradas para ser irmão e irmã onde está a nobreza e o clericalismo. Igualdade social não existe onde está o seguro condomínio dos bens; por isso abraçaram os marginais. Não foram originais quanto a isso, apenas seguiram as trilhas do Evangelho que mostram que nenhuma utopia fracassa se o Amor está entre as gentes. 

Sonhadores não morrem à beira da estrada, mas são persistentes. Desaparecem e reaparecem sempre. Ganharam  nomes como espirituais, fraticelli, joaquinitas, alcantarinos e outros; passaram pelo furor da Inquisição, mas não esmoreceram na tarefa de sempre procurar o espírito genuíno do fundador, Francisco de Assis; a proposta do Evangelho; e de reforma em reforma, de jubileu em jubileus sempre quiseram a fonte primitiva da vida cristã, não como retrocesso, mas como processo de coerência. É medieval, moderno e de um esperançoso futuro; une missão, apostolado e martírio, entre o povo e a natureza. Afinal de contas, quem apanha mais é o povo e o explorado mundo das criaturas.

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO FILHO

Imagem ilustrativa: José Benlliure y Gil (Espanha, 1855-1937)

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