A RIQUEZA DA ICONOGRAFIA FRANCISCANA – 16
O LOBO DE GUBBIO
Não há dúvida de que o Lobo de Gubbio é um dos mais evidentes
ícones franciscanos. Ele aparece muito nas representações da arte, dos escritos
e do imaginário porque é simples e abre um vastíssimo horizonte de
interpretações. O Lobo de Gubbio é real ou é lenda? Uma presença documentada ou
uma parábola entre tantas alegorias das Legendas Franciscanas? A narração
encontramos de um modo detalhado em I
Fioretti cap. 21. Como compreender I Fioretti? É uma obra que surgiu no século XIV de autoria
desconhecida, pois não podemos falar de autor, mas sim de tradutor, pois foi escrita
em italiano toscano medieval para fazer uma síntese e uma adaptação de uma
outra obra muito importante, os Atos do Bem-aventurado
Francisco e seus companheiros, que é de 1381, tendo como base a data de seu
código manuscrito mais antigo. A simpática legenda I Fioretti, também, segundo o seu código mais antigo, seria de 17
de julho de 1396.
A legenda I Fioretti não
é uma biografia de São Francisco, embora detalhes de sua vida apareçam em
muitos relatos e são uma boa complementação para conhecer a sua vida e valores.
Numa linguagem simples, quase que ingênua, é um modo popular de compreender a
força que brota do franciscanismo original e originante. Não podemos ler I Fioretti com o rigor científico dos
estudos históricos críticos, mas sim ler com o coração e com a capacidade de
uma interpretação. Mas “Vamos ao episódio do lobo de Gubbio, no cap. 21 dos Fioretti (cap. 23 dos Actus), “sem dúvida o mais maravilhoso de toda a série”, no dizer de Paul
Sabatier. Este relato tem sido interpretado de muitos pontos de vista
possíveis: filológico-semiótico, semântico-psicanalístico, social-político (o
lobo como um tirano medieval), alegórico-sociológico (o lobo como símbolo do
pecado, da morte e do demônio; o mal a ser exorcizado do convívio social),
alegórico antropológico (o “homem fera”, marginal-agressor) e também
cronístico-literal, ou seja, a narrativa teria retido a memória coletiva de um
milagre efetivamente realizado nos termos
em que foi narrado. (...) Franco Cardini, por exemplo, num longo e minucioso
estudo, oferece, dentro da hipótese alegórico-antropológica, uma leitura que vê
no lobo a figura de um “marginal-desviante”, nas suas várias possibilidades:
talvez se tratasse de um bandido, um obsesso (possesso) ou um “homem-fera”, no
estilo dos bersekir nórdicos. Os bersekir eram guerreiros que se revestiam
da pele do lobo ou do urso e assumiam o comportamento, a ferocidade e a “natureza”
do animal com que se identificavam. Uma espécie de lobisomem, uma figura
carregada de traços míticos, simbólico-mágicos, mergulhada no “inconsciente
coletivo” do medo, se é lícito usar a expressão da psicanálise junguiana. Em
todo caso, como ressalta Cardini ao final de seu longo estudo, o que tanto este
relato como os outros Fioretti
desejam ressaltar é a figura humana ímpar de São Francisco” (Alberto Moreira, O Lobo de Gúbio: Espiritualidade Franciscana
em tempos de Conflito, Cadernos do IFAN, USF-IFAN, Bragança Paulista, 1992,
29/30, p. 65-66). Quero destacar e recomendar este artigo que acabo de citar, a
meu ver, o melhor estudo sobre o Lobo de Gubbio que eu conheço e no qual busco
citações e inspirações para escrever este texto.
Mas como o Lobo de Gubbio torna-se um ícone? Em primeiro
lugar pela própria identidade. Todo lobo é um grande e natural predador. Anda
em grupo e tem capacidade de liderar a matilha. Se ficar isolado é porque algo
muito inusitado está acontecendo em seu habitat e com sua vida de animal. O
lobo é ágil e veloz, inteligente, estrategista, sabe viver em ambiente hostil
onde faz tudo para sobreviver. Paciente na caça, tem muita astúcia, coragem e
confiança. Sabe mover-se com habilidade na escuridão, onde faz valer um olhar
de luz, por isso tem uma relação forte com a lua, vê nela uma fonte de energia
e força. Em noites de luar solta os uivos mais lancinantes. Traça trilhas
precisas e tem sensibilidade muito aguçada. É um animal de poder selvagem, mas
se domesticado é leal e amigo. Não domesticado é perigoso e mortal.
Imagem: Estátua no Mosteiro Capuchinho de Cinque Terre, na Itália
CONTINUA
FREI VITORIO MAZZUCO
Imagem: Estátua no Mosteiro Capuchinho de Cinque Terre, na Itália
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FREI VITORIO MAZZUCO
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