A RIQUEZA DA ICONOGRAFIA FRANCISCANA – 14
SANTA CLARA E A GATA
Mas por que escrever sobre a Gata de Clara de Assis? Porque nos mosteiros, conventos, comunidades, fraternidades masculinas e femininas eles ainda estão presentes. Os animais sempre inspiraram convivência entre gente franciscana e clariana. Lembro bem de meus confrades e seus cats, e na língua e pronúncia alemã ainda da antiga Província aqui estabelecida, chamando Mitz, Mitz, Mitz, sibilando e assoviando entre lábios uma presença necessária. Na comunidade onde hoje eu moro, nós temos o Gato Chico, um gato de raça não definida, mas de definida simpatia. O Gato Chico já foi até assunto na pauta de um acirrado Capítulo Conventual, no entanto conquistou seu espaço entre nós.
Outro dia, alguém postava num grupo de mídia, algo que parecia uma crítica irônica a uma imagem de São Francisco rodeado de cães, gatos e pássaros, com a pergunta: “Estes são os novos Anjos? ”. Os anjos são ecos do absoluto; contudo existem animais que não nos abandonam nos momentos alegres e tristes. Estão sempre ali, companheiros exalando reflexos de ternura e fidelidade incondicional. A questão para nós, franciscanos e clarianos, está num Carisma que abraça todas as criaturas que estão no céu e na terra. Do século XIII ao século XXI, as criaturas todas compõem junto a nós uma mesma história, ontem e hoje, histórias que não serão esquecidas no amanhã.
Podem procurar nas Crônicas de Frei Jaboatão, como era conhecido o Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, frade franciscano nascido em 1695, historiador, genealogista, poeta, orador e cronista, e encontrarão em suas crônicas a presença de gatos nos conventos franciscanos do litoral do Brasil, no período da colonização.
Relata Frei Jaboatão: “Repetiremos por fim um caso, que poderá servir ou de divertimento aos ociosos, ou edificação aos mais considerados. Há poucos anos foi da parte da Bahia para este Convento de Alagoas, para ser guardião certo religioso. Assim como ali chegou, ou para divertimento do trabalho do governo, ou para experiências de uma escopeta, que levou consigo, entrou a dar fogo aos gatos, que havia na casa, e seria talvez em despique de alguma ceia, que lhe haveriam tirado à ligeireza a unha. Matou um ou dois, mas nos outros, foi tal a advertência de seu natural instinto, que não apareceram mais durante o dia, nem ainda de noite onde o guardião os pudesse ver. Entre estes foi mais notado um, que costumava vir várias vezes no dia a tomar sua ração na cela do Irmão Frei Manoel da Cruz, religioso velho, com a circunstância, que não aparecendo dali por diante em todo o dia, nem no Convento, nem em parte onde fosse visto; contudo, tanto que era noite, e o guardião já estava recolhido, saia o gato de seu esconderijo, vinha à cela do seu benfeitor, tomava a ração e se retirava até outro dia às mesmas horas; e assim o continuou por todo o tempo do tal Prelado, que foi por ano e meio. O mais notável deste caso foi, que no dia de manhã, em que o guardião despedido do Convento se foi embarcar em uma canoa na praia à porta do carro do mesmo Convento, entrou nele este gato com alguns a mais, e não se tornaram a sair, nem a esconder-se” (Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão Jaboatão, Chronica Frades Menores da Província do Brasil, Parte Segunda, Volume I, Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,1859, cap. V,564, p. 612).
É a mais antiga crônica de história primitiva do Brasil e que influenciou historiadores do porte de Dagoberto Romag, Venâncio Willeke, Basílio Röwer e Odulfo Van Der Vat. De Frei Jaboatão a Frei Elói Piva e Frei Sandro Roberto da Costa está documentada e situada, no dia a dia dos frades, toda uma realidade historial e conventual. Mas é também de Frei Jaboatão muitos aspectos da história do Convento da Penha.
O que Frei Jaboatão ensinou foi narrar nuances importantes que vão compor a memória dos fatos para sempre. Os historiadores nos trazem a lembrança registrada em documentos verídicos. Há uma história que, como as Legendas Medievais Franciscanas, amplia os fatos a partir do imaginário, para deixar uma bela e edificante mensagem. E baseados em Crônicas como a de Frei Jaboatão que sabemos que Frei Pedro Palácios construiu, em 1562, primeiro uma Capela dedicada a São Francisco de Assis, na localidade chamada Campinho, no Morro, em Vila Velha, ES. Depois, em 1568, edificou sobre o penhasco, a 154 metros de altura, a famosa capela santuário que recebeu a imagem de Nossa Senhora da Penha vinda de Portugal:
“Entre os fatos milagrosos, assinalados em favor de Pedro Palácios, conta-se que ao sair ele para viajar, deixava na gruta em que viveu, ao pé da montanha, diversos montículos de farinha, como se fossem bolinhos, para serem comidos pelos seus companheiros - um cão e um gato – dia por dia, e que isso era religiosamente obedecido até o último montículo até o dia de seu regresso”. E conta-se também que o Convento da Penha, em 1640, sofreu um ataque comandado pelo corsário holandês, João Delch. E que como que, na fonte original do milagre, ele viu um exército muito grande defendendo o lugar e bateu em retirada pela impossibilidade de vencer uma batalha. O fato é que naquele lugar, um velho e santo eremita, Frei Pedro Palácios, natural das Astúrias, na Espanha, que chegou ali e viveu na total pobreza, possuía apenas um cão e um gato para ajudá-lo, como companheiros inseparáveis, a proteger o lugar dedicado a Mãe Divina da Penha (Para mais detalhes cf. Machado de Oliveira, Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Tomo XIX,1856, nº 22, p. 262-269).
Imagem: O gato Chico da Fraternidade de Bragança Paulista
CONTINUA
FREI VITORIO MAZZUCO
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