FRANCISCO DE ASSIS E O SULTÃO - 8



NO SADIO DA PALAVRA

Francisco de Assis era ainda um menino, quando Saladino, em 1187, retoma Jerusalém, que era chamada Al-Quds, a Santa, pelos muçulmanos, que a consideravam a cidade dos profetas e onde o profeta Muhammad viveu o lugar de sua mística ascensão. Saladino, o novo dominador do local, mostrou-se mais humano do que os cristãos da primeira cruzada. Fez um acordo de paz com Ricardo Coração de Leão, mas morreu sete meses depois, em 4 de março de 1193. Malik al-Adil, seu irmão assumiu o comando e viveu as tensões e as negociações com os cristãos que viviam em Acri e que sonhavam tomar novamente Jerusalém. Al-Adil estava já idoso e serviu-se dos conselhos e apoio do influente Sultão do Egito, Al-Malik Al-Khamil.

Neste período, o Papa Inocêncio III envia uma carta ao Sultão com este conteúdo aqui sintetizado: “Queremos imitar o exemplo que se oferece através do Evangelho quando diz: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração”. Por isto, suplicamos humildemente a sua Grandeza de fazer uma escolha sábia e restituir esta terra, para que a sua ocupação não se torne ocasião de novo derramamento de sangue humano. Da ocupação desta terra, tu cavas certamente mais dificuldades que proveitos, e em parte uma glória vã. Quanto houver restituição de uma parte e de outra, serão libertados os prisioneiros e se esquecerão todas as incompreensões que estas batalhas fizeram surgir, assim a condição dos nossos concidadãos que habitam no teu país não será tão ruim do que aquela dos teus concidadãos que habitam em nosso país”.

O Chefe dos cristãos, pensava o Sultão, continuava a não compreender que a Terra Santa tinha sido dada a Allá e aos muçulmanos desde o início do Islã. Os peregrinos cristãos podiam vir visitá-la com toda a segurança. Foi feita uma trégua de seis anos. Havia no ar o medo de que tanto o Papa como o Sultão preparassem outra guerra. Porque sempre havia uma expedição sendo preparada no silêncio e no segredo das táticas militares. A cruz era imposta como uma instigante convocação para a luta. Do lado muçulmano a fé era a força da convocação. Dos dois lados, a força da palavra motivadora também ajuntava uma multidão, às vezes incapaz de formar um exército com sua dignidade, mas um ajuntamento de fanáticos capaz de toda violência.

Para o lado cristão, o Islã torna-se, pouco a pouco, a encarnação do mal. Joaquim de Fiore compara à Besta do Apocalipse e transforma isto numa pregação baseada nas profecias de Daniel (Dn 7,20) e no livro do Apocalipse, comparado o muçulmano ao número 666. O Papa Inocêncio III ainda escreve, mais uma vez a toda cristandade na primavera de 1213: “Surgiu um filho da perdição, um falso profeta, chamado Maomé, que junto com as promessas das alegrias neste mundo e a atração da vontade carnal, é capaz de seduzir um grande número de pessoas e desviá-las do caminho da verdade. Se bem que sua maldade esteja triunfando até hoje, nós confiamos no Senhor, que nos inspirou, a ver o fim desta Besta em cujo número, segundo o Apocalipse de São João, é indicado no seiscentos e sessenta e seis...já se passaram seiscentos anos”. Em erros de cálculos de datas se configura a morte.

Mas não são com estas palavras e nem com esta certeza que Francisco vai dialogar. A trégua que terminou em 1217 e começou a preparar a quinta Cruzada, faz com que em 29 de maio de 1218 a batalha de Damieta, no Egito, seja iniciada. Francisco chega ao Sultão em plena batalha, em 1219. Chega ao Sultão sem nenhum tratado, nem cartas, nem julgamentos, nem afirmações preconceituosas; Francisco vai apenas com o Evangelho. Quando se tem o filtro dos valores do Evangelho, ninguém é visto como a Besta. Ainda que se veja a Besta em tudo; até numa possível doença, ou numa mulher ou homem num momento de surto capaz de atacar um líder religioso; doenças e síndromes não são demônios. Francisco e o Sultão encontram-se no sadio da Palavra!

Imagem: Filme "o Sultão e o Santo"

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO

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