FRANCISCO DE ASSIS E O SULTÃO - 11



MÁRTIR É TESTEMUNHO, NÃO FANATISMO

Enquanto Francisco embarcava para Síria, nos fins de junho de 1219, seis frades tomaram o caminho pela Espanha, para chegarem a Marrocos atravessando o território muçulmano da península Ibérica. Eram eles os freis italianos: Vital, Oton, Berardo, Adjunto, Acúrsio e Pedro. Eles queriam o martírio a qualquer custo. Francisco quis que estes frades chegassem a Marrocos, mas não existem documentos que ele tenha exigido deles o desejo do martírio.  Entram em território muçulmano sem o habito religioso e com trajes civis emprestados por uma nobre senhora.

Quando chegaram a Marrocos, esqueceram toda a prudência. Não se apresentaram como penitentes vindos de Assis, mas sim como romanos. Os romanos eram mal vistos pelos árabes. Quando perguntados o que estavam fazendo ali em Marrakech, disseram que vinham anunciar a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo para que eles abandonassem Maomé, um vil escravo do diabo.  Num primeiro momento não foram mortos; mas andaram gritando com voz forte que o profeta Maomé era um mentiroso. Foram presos e na prisão tiveram ótima ocasião para encontrar um auditório. Julgados, foi proposta uma extradição para um território cristão.

Em Marrakech, onde foram presos e soltos antes da extradição, puderam admirar o célebre minarete de Kutubiyya, lugar de convocação à oração e um monumento da arquitetura islâmica. Foram levados diante do jovem Sultão Yusuf-al-Mustansir (1214-1224) e repetiram diante dele e de seu ministro que vieram como romanos. Vir de Roma remetia à força do império romano e da força papal. Mustansir estava longe dos campos de batalha, mas sabia da guerra na Espanha e no Egito. Estranhou que eles vindos de país em guerra contra os islâmicos estivessem exatamente em terras contrárias, e não poderiam estar de acordo com eles.

Eles disseram que eram discípulos de Francisco e ensinaram sobre a Trindade, sobre Jesus morto e ressuscitado. Falaram de Abraão, de Isaac e Jacó e dos profetas. O que poderia ter sido uma conversa de esclarecimento das Escrituras virou pura ofensa. Foram novamente presos e torturados. Sem nenhuma diplomacia houve ofensas de ambas as partes. Soltos mais uma vez foram para a praça central da capital e pregavam a grandeza da religião cristã, insultando o Islã e seu Profeta.

O Sultão, num primeiro momento os considerou “loucos de Deus”. Mas ouviu de Berardo: “Maomé vos guiou através de um falso caminho e da mentira de uma morte eterna onde serão atormentados você e seus seguidores”. O Sultão, tomado de raiva, os condenou à morte. Ainda houve uma tentativa de oferecer mulheres e dinheiro para que eles deixassem de ser perseverantes na fé. Mas eles continuaram maldizendo a iniquidade de Maomé e de sua lei. Oton cuspia por terra ao pronunciar o nome de Maomé. No dia 16 de janeiro de 1220, foram mortos e decapitados.

Muito diferente o modo de ir dos seis frades e o modo de ir de Francisco. Um dialoga, os outros ofendem. Ainda que haja a generosidade da entrega pela fé, não se justifica nenhuma agressão por palavras e gestos. Ser mártir é o suprassumo do testemunho, mas não do fanatismo. Mesmo que a  morte dos primeiros frades em terras islâmicas tenham suscitado um imediato entusiasmo, e que, num primeiro momento foram considerados verdadeiros frades menores, para Francisco de Assis, segundo a Crônica de Jordano de Jano, a atitude deles é vista com reserva.

Diz Jordano de Jano: “Dos que passaram à Espanha, cinco foram coroados pelo martírio. No entanto, temos dúvidas se aqueles cinco irmãos foram enviados ou não depois deste mesmo Capítulo ou do precedente, como Frei Elias com seus companheiros o foram para ultramar. Quando o martírio, a vida e a legenda dos preditos irmãos foram relatados ao bem-aventurado Francisco, ouvindo que nesta legenda ele próprio era elogiado e vendo que os irmãos se gloriavam do sofrimento deles – sendo ele o maior desprezador de si mesmo e desdenhador do louvor e da glória – rejeitou a legenda e proibiu que ela fosse lida, dizendo: “Cada um se glorie do seu sofrimento e não do sofrimento dos outros”. E assim, toda aquela primeira missão, talvez porque o tempo de enviar ainda não chegara, reduziu-se a nada, visto, sob o céu, cada coisa tem seu tempo” (JJ 7-8).

Os relatos antigos não revelam quem enviou estes frades. Eles foram por iniciativa própria, sem a força do comum. Não existe nenhum elogio de Francisco sobre o fato. Ele não fala contra os frades, mas pede que a Legenda não seja lida, isto, de certo modo é uma desaprovação. Cometer um suicídio por Deus não é algo que possa aceitar. Mas deste fato todo vamos tirar duas coisas boas: Frade tem que ser corajoso em nome da Verdade e do Evangelho, mas não causar raiva nos outros por causa disto. Os restos mortais destes mártires chagaram a Lisboa e foram venerados pelo cônego agostiniano Fernando de Bulhões. Ele, impressionado com estes mártires, quer ser um deles. Entra na Ordem e hoje temos Santo Antônio! O sangue dos cinco fecundou um grande santo; pará lá de Marrakesch algo se escreveu de direito num modo torto de ir. Em Damietta, Francisco reescreveu esta história de um modo correto.

CONTINUA

FREI VITORIO MAZZUCO

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