FRANCISCO DE ASSIS E O SULTÃO - 7




CORAÇÃO PREPARADO PARA DIALOGAR


Na história desses oito séculos do Encontro de Francisco com Al-Malik Al-Khamil, temos um outro personagem, Salah-al-Din Yusuf (1138-1193), conhecido como o grande Sultão Saladino. Ele foi cantado nas trovas dos poetas e trovadores medievais, por ter um espírito cavalheiresco. Mesmo sendo julgado violento pela ideologia anti-islâmica, foi reconhecido como um sultão sem ódio e capaz de dialogar. Algumas famílias deram aos seus filhos o seu nome. Era um homem de fé, queria escrever sobre Deus, mas a família o convenceu a tomar armas e ser um estrategista da guerra.

Durante o longo cerco de Acre (28/08/1189 a 11/07/1191), os cristãos aprenderam a admirar a sua personalidade. Era muito despojado e inimigo da ambição. Tratava os cruzados com cortesia dentro das normas militares. Permitiu, depois da terceira Cruzada que os peregrinos pudessem chegar aos lugares santos sem serem molestados. Era capaz também de chamar atenção de reis e prelados cristãos sobre os abusos dos seus comandantes durante as batalhas.

Al-Malik Al-Khamil era sobrinho de Saladino e governava o Egito. Esteve com seu pai, Al-Malik Al-Adil, no campo de batalha em Acre. Al-Khamil herdou de Saladino a fineza e a abertura.  Al-Khamil estudou o pensamento de Ibn Rushd (1126-1198), conhecido como o filósofo Averrois, e também o pensamento de Moisés Maimonide, nascido em 1135. Seguiu também os ensinamentos dos sufis, mestres místicos do mundo islâmico. Queria destacar aqui um destes Mestres sufi, Ibn al Faridh (1181-1235), um verdadeiro canto do Amor, e que no curso de uma peregrinação a Mecca, nos deixou este texto de uma profunda busca de Deus:

“Sou solidário com cada coração que é tomado de amor. Com cada língua que canta o amor... Quem vive do amor por Ele terá um ligar entre os apaixonados e subirá aos supremos degraus. Não conheço a saudade e a tristeza enquanto Ele está comigo, porque somos, Ele e eu, a minha mente e a minha paz. A minha casa somente é a minha casa quando ali habita o meu Amigo; quando o vejo chegar eu me lanço como quem tem força para ultrapassar as colinas de areias finas. Feliz é a caravana, se em nosso meio Tu estás, e poderás caminhar noite adentro graças a Luz que emana de Ti (...)

Oh, como cresce o meu angustiante excesso de amor porTi! Tem piedade das vísceras que se consomem ao Teu fogo. Por favor, quando Te peço de poder ver-Te realmente, não responda para mim:” Não me verás jamais”. Coração meu, me prometeste suportar com coragem o amor. Em guarda! Não seja impaciente, não Te deixarei ir: o amor é por toda a vida. Tu não morrerás, mesmo se morrer é o Teu destino e a Tua justificação” (Demerghen E., Les plus beaux textes árabes, La Colombe, Paris, 1951, p. 273-274,278).

Quando foi ao encontro do Sultão, Francisco de Assis encontrou lá no outro lado, não infiéis, mas sim Al-Malik  Al-Khamil, e certamente outros que tinham um coração preparado para dialogar no amor a um mesmo Amor. Como diz o grande poeta e místico Rumi: “Quanto entre o Amante e o Amado existe apenas um véu sutilíssimo, como não desejar que a luz de uma a Luz?”

Continua

FREI VITORIO MAZZUCO



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