São Luís de França e os Franciscanos - I
São Luís IX do pintor El Greco |
Frei Sandro Roberto da
Costa, ofm
O século XIII é um dos mais fecundos
na história da Idade Média. O surgimento das universidades testemunha a sede de
saber e a efervescência do pensamento filosófico e teológico. A ebulição
religiosa se traduz na construção das magníficas
catedrais, onde a fé transforma pedras em arte, beleza, e luz. No século XIII
são fundadas também algumas das mais importantes Ordens religiosas da Igreja,
os dominicanos e os franciscanos em particular, com seus respectivos santos:
Francisco de Assis, Domingos de Gusmão, Antônio de Pádua, Clara de Assis,
Boaventura, Tomás de Aquino, entre outros. Por outro lado, é um século marcado
pela inquietude religiosa, pelo espocar das heresias, marcadamente em
território francês, pela luta entre papado e império, pelo recrudescimento da
inquisição, pela ameaça constante do islã, pelas cruzadas, e pelas lutas
internas entre os reinos, que aos poucos vão configurando o espaço geográfico
que mais tarde seria conhecido como Europa[1]. A França ocupa um lugar de destaque neste cenário[2]. Na passagem do século XII para o século XIII, seus
monarcas estão entre os mais célebres e respeitados do Ocidente.
Um dos pressupostos da história é
a capacidade de fazer “memória”, de tornar vivo e presente fatos, personagens e
acontecimentos que, de outro modo, seriam relegados ao baú do eterno
esquecimento. No presente artigo, nosso objetivo é fazer memória da vida de Luís
de França. Queremos conhecer um pouco mais sobre este personagem medieval, leigo,
homem de governo, pai de família, cristão fiel. Queremos fazer isso nos
questionando sobre o papel desempenhado pelos frades franciscanos em sua vida, suas
mútuas relações e interações, que o fizeram ser alçado ao posto de Patrono da
Ordem Franciscana Secular.
Apresentar um texto a respeito de
um personagem que viveu há oitocentos anos atrás, sobre o qual, aparentemente
tudo já foi dito, pode parecer uma temeridade[3]. Temeroso também é se aventurar a retratar a vida
de um sujeito histórico envolto em polêmicas, fruto, em alguns casos, de uma
compreensão descontextualizada de sua vida, de seu tempo e da própria história.
Mesmo assim, dados os múltiplos contextos e as múltiplas relações nas quais
esteve envolvido este soberano medieval, acreditamos que seja possível
apresentar alguns enfoques particulares, que lancem luzes sobre alguns aspectos
de sua vida, e que podem, ao mesmo tempo, iluminar a história que estamos vivendo,
escrevendo e construindo. Por isso, não vamos nos ocupar exaustivamente da vida
de São Luís. Embora façamos um breve sobrevoo sobre sua biografia, seus feitos
em geral, nosso foco é específico: a influência do movimento franciscano na
vida de Luís IX[4].
1.
Luís IX
O ano do nascimento de Luís não
nos é conhecido. Sabe-se que o dia 25 de abril de 1214 pode ter sido tanto a
data de seu nascimento, como de seu batismo. O fato é que, com apenas doze
anos, por causa da morte de Luís VIII, seu pai, o menino tem que assumir um dos
tronos mais importantes do Ocidente. No dia 30 de novembro de 1226, menos de
dois meses após a morte de Francisco de Assis, o pequeno Luís era sagrado rei,
na cidade de Reims, na França, com o título de Luís IX. Até Luís atingir a maioridade,
a rainha Branca de Castela, sua mãe, será a tutora do rei e regente do reino[5].
[1] A realização do
IV Concílio do Latrão (1215), com seus cânones relacionados à vida cristã em
geral, à pregação, às cruzadas, às Ordens mendicantes, ao combate às heresias,
entre outros, serve-nos como paradigma para ilustrar a efervescência espiritual
do momento.
[2] O que hoje conhecemos como França
era, no século XIII, composto de uma série de reinos, mais ou menos
independentes, sob controle do monarca francês. Só no século XV é que os reis
vão conseguir o domínio efetivo de todo o território, que corresponde à França
atual.
[3] Uma obra imprescindível para se
conhecer a vida de Luís de França, constituída de quase 900 páginas de conhecimento
e erudição medieval: Le Goff,
Jacques, São Luís, Record, RJ e SP
1999.
[4] Tratar da vida de um rei santo nos coloca o sério risco de cairmos
em lugares-comuns, sem uma visão crítica. Não ignoramos o uso ideológico que se
fez da atuação de Luís, nem o uso político que se fez da religião, ou o modo
como seus biógrafos utilizaram-se de sua piedade e devoção, para criar a imagem
de um rei santo como governante ideal. Varias destas facetas foram e continuam
sendo exploradas nos meios acadêmicos. Do mesmo modo, não ignoramos a tênue
linha que separa a biografia da hagiografia. Nas poucas páginas de um artigo,
porém, não podemos fazer a “exegese” dos gestos religiosos e políticos de Luís,
como foram apresentados por seus biógrafos, ou o modo como foram assimilados,
apropriados e, em alguns casos, manipulados em função do poder.
[5] Quando da morte de São
Francisco, os frades de Assis enviaram de presente à mãe do rei o travesseiro
que o santo costumava usar durante sua doença. Tomás de Celano faz referência
aos milagres realizados na França através desta relíquia: “Quantas maravilhas
Francisco realiza somente na França, aonde acorrem o rei e a rainha dos
franceses e todos os grandes para beijar e venerar o travesseiro que São
Francisco usava na enfermidade?”. Fontes
Franciscanas e Clarianas, Tradução de Celso Márcio Teixeira, Vozes/FFB,
Petrópolis 2004, Primeira Vida de Celano
120, p. 283.
Continua
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