Reflexões Franciscanas - 20



46. Francisco de Assis é muito realista no modo de tratar os que erram com um modo lúcido e leve, seguro e sadio. Tem apreço e respeito pela pessoa, mas sabia ser enérgico quando devia reerguer fraquezas. “No início da Ordem, havia um frade que rezava pouco e, por vergonha, nunca ia pedir esmola, mas comia bem. O bem-aventurado Francisco, preocupado com o comportamento deste irmão, foi advertido pelo Espírito Santo de que se tratava de homem carnal. Por isso falou-lhe assim: 'Vai-te embora, irmão Mosca, porque tu queres comer o fruto do trabalho dos frades e ficas ocioso no jardim de Deus, como o irmão Zangão que não colhe nada, não trabalha e vive à custa das canseiras das diligentes abelhas' (cf. LP 62  e 2Cel 45,75). É preciso ter força do espírito diante das fraquezas da carne. A luta entre o bem e o mal é constante: “E odiemos nosso corpo com seus vícios e pecados; porque, vivendo carnalmente, o demônio quer tirar de nós o amor de Jesus Cristo e a vida eterna e perder a  si mesmo(...)”  (Rnb 22,5-9).

47. Francisco de Assis, em cada detalhe da sua vida, aspirou a transcendência. Em tudo percebia a presença do Altíssimo, em tudo um significado, um outro ser humano a encontrar e em cada situação amar intensamente. Para ele, tudo isto tem um nome: Deus, vivido por ele como o Bem Maior, o Bem Absoluto, a animação maior para um grande Amor. Diz nas Admoestações: “Bem-aventurado o servo que não se considera melhor quando é engrandecido e exaltado pelos homens do que quando é considerado insignificante, simples e desprezado, porque o homem é o que vale diante de Deus e nada mais” (Adm 19,1). “Bem-aventurado o religioso que não tem prazer e alegria a não ser nas palavras e obras do Senhor e com estas leva os homens, com satisfação e alegria, ao amor de Deus” (Adm 20,2). “Presta atenção, ó homem, à grande excelência em que te colocou o Senhor Deus, porque te criou e te firmou à imagem do seu dileto Filho segundo o corpo e à sua semelhança segundo o espírito” (Adm 5,1). “Comovia-se acima da compreensão dos homens, quando nomeava vosso nome, ó Senhor santo, e,  permanecendo todo em júbilo e cheio de castíssima alegria, parecia realmente um homem novo e um homem de outro mundo. Por esta razão, onde quer que encontrasse algum escrito, seja divino seja humano, no caminho, em casa ou no chão, recolhia-o com muita reverência e recolocava-o em lugar sagrado e honesto, temendo que aí estivesse escrito o nome do Senhor ou algo relativo a Ele” (1Cel 29,82).

48. Francisco exortava os frades a fazerem da Regra de Vida uma fonte de meditação e construção do humano forte interiormente: “Zelava ardorosamente pela profissão comum e pela Regra e dotou-a com bênção especial aos que zelassem por ela. Pois dizia aos seus que ela é o livro da vida, a esperança da salvação, a medula do Evangelho, a vida da perfeição, a chave do paraíso, o pacto da eterna aliança. Queria que todos a possuíssem e todos a conhecessem, e por toda parte ela conversasse com o homem interior, como palavra de alento no aborrecimento e recordação do juramento prestado. Ensinou-lhes que ela deve sempre ser trazida diante dos olhos para recordação da vida a ser praticada e, o que é mais importante ainda, com ela eles deviam morrer” (2Cel 208). Em Francisco, há uma consonância de vida, um equilíbrio entre as exigências naturais, as exigências normativas com as mais elevadas aspirações do espírito.

Imagem: São Francisco e o Evangelho, de Lodovico Cardi (21 setembro 1559 – 8 junho 1613), conhecido como Cigoli.

Frei Vitório

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